Por Atanásio Mykonios
Pode
parecer uma defesa à corrupção, mas quero aqui apenas elaborar uma constatação
a partir da própria lógica do que é o capitalismo.
A
corrupção é inerente ao capitalismo. De certa forma, ela indica que alguém
ganha a concorrência sem passar pelas regras "normais", do mercado, estabelecidas
pelo ordenamento jurídico. A corrupção leva a uma vantagem econômica no que
tange às condições dadas pela relação de mercado, a saber, oferta versus
procura.
A
regra dos produtores privados é conquistar o mercado, devem fazê-lo sob pena de
serem esmagados. Cada produtor privado age como se estivesse num ringue a lutar
com todos os seus concorrentes. Para parte dos defensores do liberalismo, o que
importa com a livre iniciativa é que mais concorrentes surjam a fim de garantir
melhores condições e qualidade aos consumidores. Mas esses mesmos defensores se
esquecem que não há uma concorrência sadia e jamais haverá, o que se estabelece
é uma voraz competição em que aqueles que podem sair à frente da corrida
conquistam fatias generosas do mercado em conforme a atividade fim da empresa.
Assim,
todos os produtores no capitalismo devem seguir a regra na qual todos se
colocam na arena da disputa pelo mercado e mesmo que isso pareça salutar aos
liberais, a luta é absolutamente feroz, afinal são concorrentes. Mas devem
seguir as regras das condições gerais de produção.
Quando
uma empresa corrompe algum setor do serviço estatal, no fundo ela está seguindo
a regra do produtor privado, do ponto de vista dos produtores individuais, ela
atinge mais rapidamente, e sem concorrência, seus objetivos de mercado em
detrimento de seus oponentes de mercado.
As
relações entre o capital e o Estado serão sempre promíscuas, e todos os
partidos que chegaram ao poder, da esquerda à direita, em todas as partes do
mundo, praticaram ou foram alvo de chantagens relativas à corrupção.
Em
se tratando de uma sociedade, como a brasileira, na qual as elites econômicas
são perdulárias e patrimonialistas, em que o regime de tributação as favorece,
em que aqueles que ganham até 3 salários mínimos contribuem com 53% da
arrecadação de impostos; onde essas mesmas elites têm a prática de amealhar o
possível e impossível de todas as fontes de recursos de capital, a corrupção
não é mais uma questão de ordem moral, como se atingisse apenas esse ou aquele
sujeito social com seu comportamento deplorável. Trata-se de uma questão de
fundo sobre a realidade econômica. Não é uma questão moral e sim da ordem do
cálculo econômico – a ética do cálculo econômico em primeiro lugar.
E
isso nos leva ao velho jargão norte-americano que diz que “todo homem tem seu
preço”, essa afirmação é de uma força real absurda. De fato, na sociedade do
dinheiro em forma de capital, que exige mais dinheiro de si mesmo, a tendência
geral é uma corrida para o mais dinheiro, o mais capital, o mais do mais. Dessa
forma, todo homem é calculado pelo valor econômico, até porque a força de
trabalho é vendida em seu valor médio socialmente estabelecido pelos
capitalistas.
Assim,
por mais que possa parecer uma prática abominável, não passa de uma ação que
consolida o capitalismo. Em outras palavras, a corrupção no Brasil revela,
sobremaneira, a vitalidade do capitalismo nacional. Há dinheiro para muita
gente. Isso também mostra que a riqueza produzida pelos trabalhadores é
excepcional em termos de dimensão material e de acúmulo. Talvez seja o país
onde os trabalhadores mais produzem em termos proporcionais relativos à
exploração geral.
Por
outro lado, o desejo de uma igualdade de condições na relação com o Estado-nacional
parece justa. Tem um sentido relativo à ética kantiana, de fazer a coisa certa
a partir de um referencial metafisico acerca da consciência do fazer certo. É
esse referencial que norteia, em parte, determinados setores da sociedade,
demonstra uma contradição em termos.
Há,
por assim dizer, uma noção social histórica de que o Estado-nacional é uma
entidade que deve garantir a igualdade a todos, que deve servir a todos com
determinadas ações relativas a produtos oferecidos e que garantem o acesso de
todos. O Estado-nacional deve ser, para muitos, como uma virgem imaculada, que
recebe os impostos e os distribui na forma de seus serviços em condições isonômicas.
Para as esquerdas, o Estado-nacional é quem deve garantir a igualdade,
promovendo a igualdade para os menos favorecidos da sociedade.
Justamente
as camadas de trabalhadores especializados (as ditas classes médias) e uma parte
dos capitalistas vociferam contra a corrupção. Mas por que isto é uma
contradição? Exatamente porque são essas camadas e os próprios capitalistas
aqueles que mais se locupletam com a corrupção. Via de regra, são quem
realmente praticam a revolução. É preciso entender que para alçar à condição de
um corruptor, é necessário possuir capital e força de persuasão, capacidade de
barganha. É evidente que os trabalhadores, em geral e em especial aqueles que
mantêm o Estado-nacional por meio de sua contribuição compulsória, não têm
condições concretas de promover a corrupção. Dito de outra forma, é preciso
capital e vontade de potência para executar uma estratégia de amealhar
diretamente o que poderia ser conquistado por meio de concorrência
mercadológica.
Interessante é notar que os capitalistas em geral não se revoltam contra os próprios concorrentes
que lhes passam a perna no gesto sorrateiro de corrupção. Há sempre que
possível alguma ou muita solidariedade até mesmo entre os capitalistas, criando
uma cumplicidade implícita.
As
empresas que praticam a corrupção adquirem a capacidade de controlar
politicamente o Estado-nacional ou parte dele. Há um aparelhamento político que
atinge diretamente a execução de projetos e ações de setores do
Estado-nacional. Portanto, deve-se reconhecer que o Estado-nacional tem um
caráter atual de atuação capitalista direta. Em municípios a situação é ainda mais
drástica, porque as empresas não controlam tão-somente setores da
administração, controlam o próprio município, controlam o mapeamento social e
político, impingem às cidades a política de desenvolvimento, interferem diretamente
no planejamento estrutural da cidade.
Além
disso, de certa forma, a terceirização não deixa de ser uma espécie de
corrupção em se tratando de concessão de serviços estatais.
Nem
mesmo no socialismo real houve isenção por parte do Estado-nacional. Por todos
os poros do Estado monopolista, o que se via era a sangria, mas neste caso, uma
sangria provocada por uma elite política e burocrática que mantinha com mão de
ferro o controle da atividade econômica como um todo. A corrupção neste caso se
confundia com uma espécie de plutocracia burocrática.
De
qualquer forma, a corrupção é uma atividade que, por excelência, garante os ganhos
substanciais das empresas e corporações. Somente em uma nova sociabilidade em
que poderemos prescindir do Estado-nacional é que a corrupção poderá deixar de
existir como prática formal, uma ética escondida que mantém parte dos negócios
em segurança.
Penso
que é preciso desmitificar a tal pureza que se espera do Estado-nacional. Haverá
corrupção e a causa é a prática beligerante que o capital a todos impõe. Enquanto
não nos livrarmos desse modo de produzir, que gera a necessidade incontrolável de
acúmulo e a conquista mais rápida e eficiente do mercado.