Atanásio Mykonios
A sociedade construiu uma ideia difusa acerca da educação, da ciência e
do conhecimento. Ideia difusa porque há um elemento contraditório que marcou
historicamente ambas as esferas destas na forma de ação social a partir dos séculos XV, XVI,
XVII e os subsequentes. Mantemos, ou perseguimos aquela atitude iluminista, apostólica
e quase missionaria dessas dimensões. Essa pecha nos persegue até a atualidade.
Pensamos sempre que o conhecimento é libertador, que a vida pode ser melhor se
conhecermos mais e com mais profundidade. Aprendemos que a educação é um
processo civilizador por excelência, e a civilização implica a noção de que há quem
não seja civilizado se não passar pelo processo educacional que grassa atualmente. Essa condição também nos persegue continuamente,
imaginamos, sobretudo, que aqueles que não são educados ou que, ainda de modo
mais radical, não querem ser educados, serão lançados na condição de bárbaros, mas, o discurso sub-reptício é que não poderão ser incluídos no modo civilizatório do capitalismo. Essa
visão me parece muito recorrente em nossa sociabilidade. O conhecimento me
parece ser outro aspecto dessa moeda de troca entre as pessoas e a esfera ideológica
que mantém essas relações relativamente escamoteadas, sob a égide da dominação social. O conhecimento, desde os
gregos, tratava de trazer à luz o escondido, ver é conhecer, conhecer é,
fundamentalmente, ver – a luz nos coloca diante do que é, para aquém e além de
nós. A luz é a grande metáfora do processo do conhecimento. No entanto, mais uma vez, estamos imersos em contradições absurdas. Afinal,
o que deve ser conhecido? Quem determina o que deve ser conhecido, quem deve
afinal conhecer e em que condições se dá esse conhecimento? Não se trata de negar ou eliminar o conteúdo dialético que está no cerne do conhecimento, nem ao menos excluir o fato de que o conhecimento é um processo histórico com o qual o ser humano está imbricado até as suas entranhas. Não é possível, por outro lado, do ponto de vista fenomenológico, que
um ser humano em condições normais possa conhecer tudo, há que proceder a uma
escolha - no que concerne à objetividade desse processo. Mesmo que haja liberdade total, o leque do conhecido deverá ser submetido a
determinados critérios e objetivos. Não se conhece tudo, porque é necessária a
escolha para o conhecer. Então, temos de nos perguntar, quem escolhe o que deve
ser conhecido? Se considerarmos o fato de que o conhecimento é também uma relação social, posso inferir, sem grandes elucubrações que a decisão sobre o
conhecido, sobre o ato de conhecer engendra poder político. Em outras palavras,
a sociedade decide que certos conhecimentos devem ser transmitidos e outros
deixados para momentos outros ou simplesmente deixados de lado – há prioridades no conhecimento. Portanto, outra
contradição se apresenta – estabelecida entre o conhecimento e a decisão política
acerca deste. Toda contradição pode nos colocar diante da alienação. O que isto
significa? Que ao não assumir a contradição, nos alienamos do processo de
enfrentamento desta mesma alienação, isto é, estamos apartados da relação que implica a contradição, ou melhor, a contra-adição . Pois bem, prossigamos. Chegamos a um dos
cernes da sociedade contemporânea – a ciência. Os primeiros pesquisadores da nova
forma de conhecimento imaginaram que esta seria o caminho para a libertação
total do homem, por meio da pesquisa, do desenvolvimento das capacidades
intelectuais do ser humano – capacidades objetivas e subjetivas –, do
enfrentamento de todo e qualquer dogmatismo, da superação da menoridade (como Kant denomina), etc. No entanto, essa carta de
boas intenções da ciência não durou muito. Gradativamente, a ciência foi
capturada pelo modo de produzir mercadorias e a sociedade produtora da valorização do próprio valor do capital se alastrou. Estado, capitalistas,
instituições, partidos, sindicatos, movimentos sociais, etc., (por razões históricas que me permito não aprofundar aqui) foram e continuam
a ser capturados pelo capital e pela forma social do valor-capital. Entramos na
terceira contradição, a que nos mostra que de um lado há a ideia pura da
ciência a favor da humanidade e a ciência que atua para garantir que os
concorrentes do capital conquistem o mercado. Estamos agora no interior de três
contradições engendradas pelo capitalismo. E para manter convergentes os dois
lados da contradição, desenvolvemos o discurso ideal acerca da educação, do conhecimento
e da ciência, porém, de forma ainda mais perversa, do ponto de vista histórico,
nutrimos e reproduzimos todos os mecanismos que estão na lógica interna do capitalismo. Educação, conhecimento e ciência são as faces de uma
realidade que nos domina e da qual não temos domínio algum, quem estipula as
condições, o que deve ser educado, conhecido e cientificizado é o capitalismo e
não a sociedade autônoma e emancipada. Nisto, vale lembrar que esse processo social ocorre de modo que o discurso acerca de está impregnado de uma pretensa emancipação dessas esferas, o que parece não conferir com a realidade. Dessa forma, é preciso não uma educação
que liberte, um conhecimento que emancipe e uma ciência que nos dê a compreensão
da natureza e das relações entre nós e o mundo. Essas dimensões têm um caráter histórico, consolidadas na trajetória humana, de modo que não poderemos jamais abrir mão daquelas. É preciso eliminar essa
forma-capital em sua totalidade antes de prosseguirmos. Também não podemos deixar de reconhecer, eminentemente, que todas as sociedades educaram e continuaremos a educar - não depende do capital essa ação humana, depende de si mesma, de suas condições sociais, materiais, de suas relações e necessidades. Assim, eu penso, honestamente, que não há
espaços para que esse trinômio ocorra em bases de libertação e emancipação
humanas, porque está atrelado às condições de produção social da
fábrica do valor-capital. O resto é apenas digressão e formalidades burocráticas.
Educação, conhecimento e ciência não nos libertam neste atual modo de produção, uma vez que educação, ciência e conhecimento estão manietados pelo sistema. Estamos presos à lógica
social e ideológica do capital que regula as relações sociais como um todo e
neste sentido, atados a uma educação que apenas reproduz, uma ciência
sem conhecimento e um conhecimento sem ciência da realidade a que estamos
submetidos.