Por Atanásio Mykonios
Como é difícil rever a história quando
ela parece se repetir! Quantos elementos podem ser apresentados a fim de fazer
convergir contextos diferentes, de tempos distantes pelo próprio tempo! Hoje parece
fácil mostrar o que a ditadura militar promoveu no Brasil a partir de 1964. Mas
o golpe perpetrado pelo militares, na virada do dia 31 para o primeiro de
abril, teve a participação, a colaboração e a simpatia de muitas instituições –
bancos, jornais, igrejas, líderes, latifundiários, artistas, meios de
comunicação em geral (rádios e TVs). Mas a maioria da população estava inerte, não
assumiu uma posição, viveu no anonimato, mesmo sendo a maioria. O silêncio da
maioria fez com que uma espécie de legitimação ocorresse sub-repticiamente. A maioria
silenciosa, em qualquer situação de convulsão social é uma poderosa aliada das
forças de ação e daqueles que intentam golpear o contexto institucional. É mais
aterrador imaginarmos o que pode nos ocorrer se a história se repete, mesmo que
seja apreendida na forma de farsa. Acontece que o pano de fundo continua
obscuro. Até mesmo os meios de comunicação que hoje fazem uma apologia contra a
ditadura, se fixam apenas na violência, na tortura, na censura, na perseguição
contra opositores do governo. Isto não pode ser esquecido em qualquer
circunstância. Esse pano de fundo insiste em ser utilizado como uma espécie de
diversionismo, criando um sentimento moral antigoverno. A questão fundamental
que conduzia e conduziu as elites orgânicas para a tomada do poder, tendo os
militares como prepostos desse grupo articulado desde o final da década de
1940, era, sem sombra de dúvida, a tomada do Estado para a reformulação do
perfil econômico do país, a fim de adequar o Brasil às novas condições que
emergiam na economia e nos interesses geográficos e políticos. Em outras palavras,
o objetivo principal não era uma luta contra a possibilidade de avanço do
comunismo na América-Latina. Essa possibilidade se tornara um forte álibi para
promover as ações e as ofensivas contra o Estado. Portanto, os gestores da
economia se aproveitaram das condições de produção de discursos diversos, como
os discursos da religião, da raça, da etnia, da ocupação de espaços sociais,
etc., para fortalecer a legitimação da intervenção militar. Mais uma vez, as
classes médias são utilizadas para romper as barreiras institucionais a fim de
apresentarem suas demandas, que nada mais são que a obsessão da iminência da
perda de alguns privilégios sociais e econômicos. Dessa forma, o que temos de
ter em mente, nesse processo histórico e que nos remete à atualidade, não são as
ações truculentas de grupos que consideramos direitistas ou que apresentam traços
fascistas, mas se esses movimentos estão atrelados a interesses ainda maiores,
e o maior de todos é a economia. Uma ditadura na sociedade do capital global só
tem sentido se for a serviço deste capital global e das formas locais de
realização da atividade econômica do próprio capital. Apesar de todas as forças
locais, apesar das lideranças poderosas que se digladiam no âmbito dos países e
dos estados-nacionais, cada vez mais, a tecnocracia estatal-capitalista está
atenta às possibilidades de implementação das estratégias de valorização do
capital. Se for necessário apoiar grupos autoritários, que seja, se for
necessário exigir a presença de tecnocratas, que seja! O Brasil é um país
diferente de quando promoveu a ditadura em 1964. Diferente no seu perfil de
diversidade. Mas não nos esqueçamos de que continua com uma maioria silenciosa
e conservadora. E tudo o que de fato importa não são as lutas intestinas acerca
de valores morais, religiosos, da tradição cristã que possivelmente estão ameaçados.
O que importa continua a ser o mesmo mote, a saber, o estado em que a economia
se encontra e quais as fontes e as formas de aumentar o lucro, aumentar a
produtividade e manter a eficiência de um sistema que arranca mais e mais
rentabilidade dos trabalhadores em nível global. Neste sentido, uma ditadura
hoje tem outro significado. Grupos sociais, organizados ou não, disputam fatias
de hegemonia no âmbito da segurança, da moral e das formas tradicionais de
comportamento. Isto quer dizer que clamam por segurança, por moralidade e por
punição. O fato que está mais uma vez no pano de fundo é a economia e seu
desempenho. Aos poucos, sem que a maioria se aperceba, as reações têm como
causa primeira a crise do capital que esfacela, inicialmente, a segurança e a
impressão de segurança que afeta classes intermediárias classes estas de
trabalhadores que veem seu quinhão desaparecer e como resposta, exigem uma ação
direta das forças de segurança. Eis aqui um problema que se repete em todas as ocasiões
de luta no interior do capitalismo. Mas se levarmos em conta, efetivamente, o
que nos ocorre, estamos em uma ditadura há pelo mens 200 anos, com a imposição
do trabalho abstrato, do cidadão abstrato, da forma social da mercadoria e do
modo de organizar politica e juridicamente esse processo histórico. Mesmo sem
trabalho, somos obrigados a trabalhar, mesmo com trabalho, seremos obrigados a
sermos desempregados. Socialismos e comunismos não foram capazes de evitar a
hecatombe capitalista porque, na verdade, apenas reproduziram o processo de
trabalho abstrato sem qualquer maquiagem. E por fim, quanto mais a crise do
capitalismo se torna uma realidade visível e definitiva, mais experimentaremos
a força da militarização como um elemento de controle da sociedade para voltar
a produzir valor no esquema capitalista. Por isso, as ditaduras estão entre nós
e serão familiares a cada um de nós daqui para frente, mas de forma amena, com
controles aceitos pela maioria.