domingo, 4 de julho de 2021

O desafio intelectual do século: a burrice estrutural

 

Por Atanásio Mykonios

 

Perdemos a compostura. Perdemos a metáfora. Perdemos a inteligência. O que foi feito do nosso povo? O povo? Ora, o povo! Que se danem os bons modos. Mas tínhamos bons modos ou, parece que escondíamos os maus modos, por motivos inconfessáveis. O Brasil é um iminente desconhecido. Sim, para cada um de nós, o Brasil não passa de um famoso desconhecido, que merece intermináveis desempenhos analíticos, muitas horas de reflexões sobre a natureza da nossa personalidade. O Brasil acabou ou o Brasil nunca existiu? Estamos perplexos conosco mesmo, afinal, o que aconteceu? Fomos tragados pelo monstro do imenso lago da ignorância, parece que, de um momento para outro, acordamos diante do espelho e espantados vimos o que não sabemos de nós mesmos.

Quem somos afinal? Estamos tontos com tanta estultice, estamos abismados com a nossa própria burrice. Por todos os lados, cheiro da burrice está presente, tão presente quanto aquele perfume dos almoços de domingo pelo nosso bairro tranquilo.

Mas a burrice está cada vez mais difícil de ser identificada. Parece não ser mais possível denunciar o burro publicamente. O burro está livre, impune, ele rompe o cercado dos ignorantes. O burro agora pode ser eleito e eleger. Onde está o burro? Agora, o burro encontra os microfones, as câmeras, os holofotes. O burro é um acontecimento social, ele consegue ser mais importante que o dicionário Aurélio. Ele se imiscui entre os cidadãos comuns e os cidadãos comuns se disfarçam de cidadãos para esconderem sua ignóbil burrice. O Brasil deixou de ser imaculado. Perdeu a inocência.

Nos tempos que seguem, qualquer frase é posta em destaque. O pensamento perde qualquer sentido e ganha o sentido que o burro lhe concede. Sim, o Brasil está perdido. Para onde vai o Brasil? Tanta burrice reunida é um fato histórico, na verdade, tem um caráter fenomênico. O fenômeno da burrice em processo histórico, a burrice como fonte de análise estrutural. Sim, a burrice nacional, o transe social, dialético, entre o ser e o não ser burro. A burrice se tornou mercado puro, o puro mercado. Além de que no Brasil toda burrice não será mais perdoada. Ainda bem.

O Brasil acabou? O que faremos nós os brasileiros? A impunidade gera a tristeza generalizada. Pão para quem tem fome. Roupa para quem tem frio. E para o burro, o que daremos? Inteligência? Democracia? Livros? Pedras? Mamadeiras? O enigma social hoje é a burrice estrutural. Temos o racismo estrutural. Temos o machismo estrutural. Temos a exploração estrutural. Mas, o que nos desafia intelectualmente é a burrice estrutural. O Brasil é um celeiro de burros burocratas, tecnocratas, aristocratas, estratocratas, mas o que está matando o Brasil são os burros, uma nova classe social – o laboratório mundial está aqui.

 

Diamantina, 4 de julho de 2021

domingo, 27 de junho de 2021

Impeachment não é alternativa, é apenas um passo

 Por Atanásio Mykonios

 

Do ponto de vista da República do Brasil, os sucessivos golpes, efetuados pelas classes dominantes, entre 2013 e 2018, precisam e merecem ser colocados nos seus devidos lugares. O impeachment é um trauma para as instituições republicanas. Se bem que tenho de ressaltar que não confio nada nas instituições republicanas, a democracia estrutural semi-liberal, continua a pender a favor do capital. Porém, cabe aqui tecer alguns elementos.

Dilma Houssef foi deposta por um movimento que teve início na virada do ano entre 2012 a 2013. Sabemos que se tratou de um processo inicialmente de desgaste, em seguida, todos os grandes grupos capitalistas compuseram um consórcio golpista e contaram com a articulação orgânica das massas que tomaram as ruas para legitimar o primeiro golpe. Este movimento teve um caráter de rolo compressor.

A esquerda simplesmente foi encurralada, tomada de surpresa, não pôde reagir a contento, não conseguiu articular suas forças a tempo e o capital empregado foi de grande monta, garantiu todos os passos para criar um cinturão de asfixia contra o governo Dilma.

Em seguida, o desdobramento desse processo desembocou no segundo golpe. Este foi perpetrado inicialmente com a prisão ilegal de Luís Inácio Lula da Silva. À época, Lula liderava as pesquisas para as eleições de 2018. Hoje está comprovada toda a trama para retirá-lo da corrida presidencial. Ato contínuo, a vitória de Jair Bolsonaro sinaliza a fraude no processo eleitoral, isto é, o processo eleitoral de 2018 foi eivado da fraude judicial contra Lula e, portanto, nesse sentido, as eleições desse ano foram marcadas pelo segundo momento do golpe.

A eleição de Bolsonaro foi uma fraude, não cabe o impeachment. Não se trata de uma fraude no que se refere ao ato eletivo propriamente, o processo eleitoral, de acordo com os trâmites legais e as liturgias burocráticas da justiça eleitoral, seguiu o curso normal como em todas as eleições eletrônicas. A eleição não deve apenas ser tratada como fraude, é a consequência do segundo golpe, a premissa para a realização do pleito foi um golpe astutamente articulado no interior do ordenamento jurídico.

A sociedade foi atraída para um processo organizado. Esta sociedade mostrou o que realmente é ou em que acredita. Os processos judiciais cometidos contra os negros, um aparato de operadores do direito cercado de proteção social, econômica e política. Parte da sociedade aderiu aos mecanismos de prática de injustiças e crimes judiciais no interior do aparato judicial, sem alterá-lo. A sociedade brasileira continua a ser conduzida por castas judiciais, empregadas pelo capital, para encarcerar os trabalhadores pobres e, em sua maioria, negros.

O Brasil e sua classe dominante, sempre que pode, dá as costas aos avanços civilizadores do Direito, especialmente avanços conquistados após a Segunda Grande Guerra. Mas uma sociedade escravista, como sistema social total, os mecanismos de justiça no Brasil prevalecem conforme os ditames da lógica da superexploração sobre a população e o território.

Mesmo que os movimentos de esquerda avancem e ocupem as ruas e as cidades, o impedimento não resolve a situação. O impedimento implicaria o reconhecimento das eleições, da vitória eleitoral da atual dupla que ocupa a presidência da República.

Implicaria legitimar todos os atos que levaram à presidência o então candidato Jair Bolsonaro. É preciso que os movimentos sociais e as esquerdas tenham claro no processo de mobilização atual, que o “Fora Bolsonaro” não implica apenas o impeachment, é preciso anular o conjunto dos procedimentos. Anular a chapa na pseudo-eleição de 2018. Anular todos os atos relativos à eleição. Anular os atos institucionais posteriores à posse da dupla Bolsonaro-Mourão. Promover novas eleições e preparar a sociedade para uma nova Constituinte.

Todas as frações capitalistas apoiaram essa estratégia. Os meios de comunicação de massa aderiram de forma canina. As instituições da República também se filiaram ao movimento estruturado a partir de 2012-2013. O aparato jurídico, as organizações políticas, os militares e o esgoto social aderiram de forma festiva ao processo de tomada de poder.

É bem verdade que os movimentos sociais são, em certa medida, movidos por esperanças e ilusões que cegam o horizonte objetivo das lutas sociais contra o capital. É preciso nos despojarmos de todas as ilusões e das ingenuidades políticas. Mesmo que não tenhamos nenhuma vitória, mesmo que sejamos minoria nas ruas e cidades, temos de compreender os limites desse processo e o movimento histórico contra o Bolsonaro não pode simplesmente esperar pelo impeachment. Temos de ter claro, inicialmente, para nós mesmos, que se trata de um movimento radical, considerando, sobretudo, a legalidade e a institucionalidade do atual regime político.

Podemos até vir a sermos derrotados politicamente, o que será mais um desastre para nós os trabalhadores, mas ao menos teremos clareza dos objetivos a serem alcançados e, assim, termos as estratégias à nossa frente. Quanto mais clareza nos objetivos políticos, melhor poderemos nos preparar para construirmos as estratégias políticas.

 

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Butantã!

 Por Atanásio Mykonios


           Foi tratado pela CPI como um órgão técnico, como se a condução de um organismo de caráter científico não fosse carregado de política e de economia política! O tecnicismo é um mecanismo ideológico que esconde interesses da estrutura do Capital. Como se a decisão acerca de produção de vacinas ou outros medicamentos não estivesse sob a lógica da produção de mercadorias. A esquerda está envolvida no espectro do liberalismo e não enxerga os conflitos econômico-políticos nessa questão da vacina.