terça-feira, 20 de agosto de 2019

Ontem e hoje

Por Atanásio Mykonios

Ontem e hoje.

     Cresci na ditadura militar. Na minha casa nunca se falou sobre aquela ditadura. Na minha vizinhança, era como se nada disso existisse. Na escola, um ou outro comentário no banheiro ou em algum banco de jardim. Muitas pessoas que conheci, acreditavam que Paulo Maluf estava certíssimo em utilizar a ROTA para matar pobres e estes votavam em peso nesse cretino. Conversas sobre política eram sempre abafadas, mas aquela mentalidade de que eram todos os políticos corruptos era recorrente, mas os votos eram contabilizados para os partidos da situação. Mulheres, negros, gays, menores, tinham o mesmo tratamento, só que havia mais "timidez". Pessoas mais velhas nunca falavam sobre o golpe de 1964. 
     Os trens viviam abarrotados de trabalhadores e vendedores ambulantes, não se ouvia nada sobre as barbaridades dos governos. A indiferença sobre o mundo era grande. Eu só vi as pessoas se mexerem depois da ditadura, quando a hiperinflação devastou a economia das famílias e trabalhadores. Pessoas da pequena burguesia destilavam seus pequenos ódios particulares em reuniões familiares, sem nenhuma consequência, ironias furtivas recheavam o almoço de fim de semana. A esquerda era um demônio que não podia entrar na casa das pessoas. As pessoas ficam estupefatas com o grau de estupidez atual. Sim, ela é real. Mas eu vivi no meio de um ambiente tão propício à estupidez quanto agora, talvez com a diferença de que, na atualidade, a idiotice teve acesso ao universo virtual encapsulado. Antes, eram as manchetes de jornais mentirosas, hoje são Fake News, na mesma ordem de má fé. A direita e a extrema-direita sempre tiveram bases eleitorais e políticas sólidas e bem articuladas. Indígenas foram mortos às centenas e presos sem motivo algum, torturados etc. As redes sociais exercem o mesmo poder que a TV Globo exerceu quando teve poder sobre a sociedade com a maior audiência da história das telecomunicações mundiais. A gente achava que aquilo duraria para sempre. A burguesia saiu da ditadura mais rica em comparação de quando começou o regime militar. 
     O Brasil foi destruído lá como agora. Milhões foram parar na pobreza, desemprego, fome. A morte pela fome era o flagelo de imensos contingentes da população. O Brasil não era nada no cenário mundial, nem serviu de exemplo ou de estímulo para nada nem para ninguém. O Carnaval seguia em frente, as mulheres desfilavam seus corpos sob o tacão da censura pelas avenidas. A burrice era muito grande, tolerada, mas imensa. 
       Ontem como hoje.

Desmatamento em Rondônia, de 1984 a 2016