domingo, 21 de julho de 2019

Da expectativa à imobilidade

Por Atanásio Mykonios




A vida real se tornou, como Adorno afirmara, em uma extensão dos invólucros da tecnologia e da cultural.

O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção quotidiana, tornou-se a norma da produção. Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 104) (1)

O real é uma transgressão dos roteiros que circulam pelas fontes de produção de conteúdo. As imagens e as notícias circulam em velocidade instantânea e rapidamente são dissipadas, criando expectativas como se as pessoas estivessem envolvidas numa trama sem fim, apenas o fluxo contínuo das informações e seus impactos anestesiam a condição social dos indivíduos.
As previsões são lançadas no meio público, a dissonância e os ruídos que provocam são espetaculares. Cada analista, a seu modo, tenta articular os acontecimentos e dar-lhes algum sentido e consequência. Os vaticínios se multiplicam, as previsões circulam em todas as mídias sociais, cada uma pretende a excelência histórica. Mas cada vez, em grande medida, quase todas as previsões came no oceano das impossibilidades e passividades.
The Intercept há mais de um mês tem revelado as entranhas da chamada Operação Lava-Jato, sem que houvesse até o momento, nenhuma reação de fato foi transformada em ações reais contra o grupo que articulou a Operação Lava-Jato. Tudo se passa como se fosse parte de uma novela, um folhetim que prende os espectadores e os mobiliza de forma difusa.
Enquanto isso, a sociedade continua perplexa. Analistas políticos anunciam o caos institucional. Analistas econômicos, preveem a crise que se avizinha, mas nunca é efetivada. Os analistas e teóricos sociais, contam os dias para que a crise seja transformada em reações sociais e populares. Todos anteveem dias muito difíceis para a sociedade em geral, em particular, o Brasil estaria prestes a um colapso.
Jornalistas lançam as informações e tentam caracterizá-las como manchetes bombásticas. A cada dia, novas denúncias, recheiam o cardápio d= cenário nacional. As estruturas de poder foram tomadas por quadrilhas, que durante os últimos anos atuaram, aparentemente, desarticuladas, mas quando uma delas chegou ao poder, foi capaz de organicamente, articular as quadrilhas para o exercício do poder, diante de um Estado cambaleante.
Os roteiros seguem uma lógica, a sociedade do espetáculo reifica as estruturas da indústria cultural por meio do universo virtual. Quanto às ações políticas, tudo parece convergir para o campo da tela, que condiciona as formações cognitivas atuais. Prever o que vai acontecer é um exercício de roleta russa, alguns franco atiradores atuam e ganham espaço no mercado virtual, tornam-se celebridades sociais e midiáticas. Seus pronunciamentos ganham seguidores até que, em seguida, são transformados em mais um dos youtubers. A partir daí tudo é tragado para o redemoinho da sociedade do espetáculo.
As grandes emissoras de TV continuam a impor as pautas, as massas ainda assistem à programação dessas emissoras. A audiência destas ainda é alta, a opinião pública vive um processo anestesiante. A quem dar credibilidade? Às mídias sociais ou às grandes emissoras de TV? Quem ainda teria a hegemonia do poder de comunicação? As massas parecem estar à deriva, no entanto, seguem silenciosas e sua audiência é, ainda, destinada em grande parte, para as TVs. O jornalismo dessas empresas atua como sempre atuou, não houve grandes alterações, tanto que os canais das mídias sociais, especialmente, os canais abrigados pela plataforma YouTube.
As massas continuam silenciosas e, sobretudo, afeitas à programação e à agenda das grandes emissoras. A política ganhou um novo personagem, a extrema-direita entra em cena e não utiliza exatamente o complexo televisivo montado há décadas no Brasil. Radicalmente, utiliza as redes sociais, a exemplo de experiências bem-sucedidas recentemente em países que viveram processos políticos de grande envergadura – Espanha, Grã-Bretanha, EUA etc. A utilização das novas tecnologias teve êxito e o cenário político foi transformado de modo radical, um exército de fiéis seguidores emergem por todos os lados e ganham forma política, difusa, é bem verdade, mas potencialmente destrutiva.
A prática política virtual é transformada em prática real, não só chega ao poder efetivo, como passa a gerir, em grande parte, ações e decisões do poder. Em outras palavras, o público-estatal se confundem com o privado, as esferas estatal e privado se misturam absolutamente. O poder social invade todas as instâncias, são invadidas as instituições e agora não há mais sigilo, mesmo havendo no espírito do tempo atual, o segredo que articula as estratégias macropolíticas e macroeconômicas.
Todos são enredados nesse processo. As expectativas são dissolvidas nas formas processuais das comunicações em dois níveis – o mundo virtual e a tradicional esfera dos meios de comunicações. Verdades e mentiras circulam com o mesmo peso, mas isso ocorreu em todos os períodos ou nos diversos blocos históricos em que os embates políticos estiveram à cena.
Uma anomalia social está presente, a economia segue seu curso, o capital está em agonia, a luta pelo poder político tem como pressuposto o poder econômico que foge ao controle dos trabalhadores, a luta está imersa em tentativas espasmódicas de reação popular, mas as praças e avenidas são preenchidas de multidões sem poder de influência. Corporações e os vários nichos do sistema financeiro atuam como um cinturão em torno às forças políticas, de todos os matizes, sem que os trabalhadores tenham poder real sobre seu destino.
O concreto das relações de produção e exploração parece ter sido invertido, mesmo assim, as ações políticas continuam à deriva e, por outro lado, reféns de uma pauta alienada das condições concretas. The Intercept lança mais um elemento no processo econômico-político da atualidade, esticando a corda da crise até um ponto insustentável em todas as instâncias. Talvez seja a estratégia por trás dessa desse procedimento.
Fica a questão que envolve vários elementos convergentes e torna ainda mais complexo o problema nacional. Temos de aprofundar as expectativas que, ao serem realizadas, não passam de imobilidade política.

Referência utilizada
(1)    ADORNO, Theodor. W. HORKHEIMER, Max. A indústria cultural. In Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.