quinta-feira, 27 de junho de 2019

Como viveremos


 Por Atanásio Mykonios



Penso como estará a sociedade brasileira doravante. Talvez naturalizemos todas as brutalidades e talvez saberemos conviver razoavelmente com diversas formas imbricadas violências. Conviveremos com massacres a céu aberto, ao mesmo tempo em que saberemos lidar com zonas autônomas de convivência intelectual e artística. Como ocorreu, por exemplo, nos EUA. Por um lado, na década de 1960, o país lidou com uma guerra além-mar, no Vietnã, com o festival de Woodsotck, com assassinatos de líderes políticos, com um cinema efervescente etc. Aqui no Brasil, seremos envoltos por um Estado terrorista, que protegerá milicianos, traficantes e criminosos de toda natureza. A violência contra as mulheres aumentará ainda mais, espancamentos, mortes encomendadas e assassinatos por causas as mais idiotas, repressão e perseguição. Enquanto isso, também compartilharemos fotos com sorrisos, memes, churrascos, festas, encontros públicos em praça pública com tomadas de self, tudo isso recheado de uma espécie de hipnose social, sob diferentes mídias sociais virtuais. A brutalidade chegou às nossas portas. Por outro lado, a burguesia nacional, que não sei ao certo o que é e de que franjas de classe é formada, parece ser uma mistura de escravocratas contemporâneos, fascistas empresários, financistas, grileiros, formadores de opinião, banqueiros e rentistas, que atua como um corpo apátrida e sem qualquer escrúpulo. É bem verdade que a crise social reflete e é um sintoma da crise estrutural do capital em âmbito mundial. O governo brasileiro será uma confusão, ao mesmo tempo em que mantém estratégia de demolição social e econômica. A naturalização da violência é, também, a forma gestionária com a qual o poder estatal conduz as relações sociais, regiões conflagradas que estarão ao lado de regiões em plena ordem pacífica e civilizadora. Viveremos um conjunto de realidades que provocarão fragmentações tanto estruturais quanto cognitivas. A circularidade do conhecimento é um dado da atualidade, sem começo, sem meio e sem fim, atordoados e sem traçado constitutivo das formas de apreensão do mundo, reverbera por todos os lados e o cérebro social sem chão para por seus pés. A história se torna um pedaço entre tantos pedaços.A miséria se alastrará, não mais os pobres por todos os lados, mas agora esbarraremos em amontoados de miseráveis acotovelados nas esquinas e nas calçadas. Medo, pavor, terror, insegurança, incerteza. Democracia e ditadura. Uma democracia ditatorial e uma ditadura democrática.

Sem sono


 Por Atanásio Mykonios


O sistema mundial de computadores não é apenas um sistema de comunicação entre computadores em rede, mais que isto, é um sistema mundial de inteligência artificial muito eficiente. A inteligência neste caso não se deve a uma eficiência de aumento das velocidades e conexões, é um sistema de inteligência que atua para ampliar a eficiência econômica do sistema virtual engrenado pela rede de computadores. O dinheiro circula e as mercadorias também. Porém, esses milhões de pessoas transformadas em trabalhadoras sem assalariamento, produzem valor para o capital? São mediadoras de mercadorias, mas não produtoras, a mesma tecnologia que aumenta a produtividade inclui esses trabalhadores como mecanismos de estocagem, distribuição e circulação. São trabalhadores em sentido, não no processo produtivo de transformação material, mas correspondem a um exército invisível que atua diuturnamente em favor de um mercado, de um sistema, mas que não pode mais dar saltos de valor.
Uma sociedade virtual que não mais adormece. 24 horas, os virtuais, aos bilhões deles permanecem vigilantes o tempo todo. O mundo virtual pede dedicação exclusiva, não há mais ócio, não há mais preguiça, todos devem produzir alguma coisa que seja publicável virtualmente, de receitas culinárias a prescrições médicas e psiquiátricas, de análises políticas a todas as formas de permanência das imagens em constante circulação. Jonathan Crary chega a afirmar, em seu estudo 24/7: capitalismo tardio e os fins do sono que

No entanto, o sono é agora uma experiência desvinculada de ideias de necessidade e natureza. Ao contrário, e como tantas outras coisas, é tratado como uma função variável, mas controlada, que só pode ser definida em termos instrumentais e fisiológicos. Pesquisas recentes mostram que cresce exponencialmente o número de pessoas que acordam uma ou mais vezes durante a noite para consultar mensagens ou acessar seus dados. Existe uma expressão recorrente e aparentemente inócua, inspirada nas máquinas: o sleep mode. A ideia de um aparelho em modo de consumo reduzido e de prontidão transforma o sentido mais amplo do sono em mera condição adiada ou diminuída de operacionalidade e acesso. (CRARY, 2016, p. 22)

O sono é um elemento a ser considerado no espectro universal da Internet. Atentos, vigilantes, produtivos, criativos, fiscalizadores e fiscalizados, os usuários não se tornam apenas tais como usuários, são elementos da engrenagem do mundo dos computadores, o mundo da imagem que se move continuamente e não se apaga, não é desligada, a imagem que não forme, permanece com os olhos abertos, assim como as telas e das páginas virtuais. Uma vez que os trabalhadores, empregados ou não, continuam suas atividades nas telas dos computadores ou de seus telefones inteligentes, não só atentos como produtivos, mesmo que não tenham nenhum ganho material por isso, a engrenagem social do capital não para em nenhuma condição.
O desenvolvimento das tecnologias da informação e da rede de computadores é, em última instância, o desenvolvimento da condição da burguesia que chegou ao ponto de submersão em seu bunker, pois até mesmo ela não é capaz de dar um sentido formal à formação da internet, mas, em virtude da crise de seu poder, devido à crise estrutural do sistema, ela tenta controlar as redes por meio da censura, direta ou indireta – na medida em que cria mecanismos jurídicos e impedimentos econômicos e acesso, com isso “Uma das preocupações fundamentais do toyotismo consiste em limitar a concentração física dos trabalhadores, ou até em dispersá-los fisicamente, e ao mesmo tempo concentrar os resultados do trabalho através da tecnologia electrónica” (BERNARDO, 2005).
A ciência de caráter burguês representa a cisão entre o mundo real, transformando-o em universal e cristalizando-o como verdade metafisica. A cultura burguesa se impôs ao mundo pela dominação do gerenciamento da forma valor como fenômeno estrutural no mundo das mercadorias. Em sentido estrito, a burguesia não impôs a cultura de modo geral, impôs pelo poder político, o modo social de produção do capital e à medida que este modo se tornou hegemônico como forma social sistêmica, todas as expressões culturais foram submetidas à forma social do capital e a partir de um momento em que historicamente o sistema havia se consolidado, a indústria cultural passa a ser a expressão metabólica do próprio sistema, as expressões da cultura, em seu leque criativo, se tornaram vis a vis a própria cultura do capital. A cultura imposta pelo desenvolvimento das forças de produção tecnológicas desemboca na internet como expressão da vacuidade ou do processo inercial dessas forças que chegam ao limite da produção de valor e de valorização do valor.

Referências
BERNARDO, João. Trabalhadores, classe ou fragmentos? (2005), disponível em Para ler João Bernardo, http://www.4shared.com/dir/6353945/38db478d/Para_ler_Joo_Bernardo.html, acesso em 10/01/2018.

CRARY, Jonathan. 24/7: capitalismo tardio e os fins do sono. Tradução Joaquim Toledo Jr.. São Paulo: Ubu Editora, 2016.

A Internet e o impasse da modernização


 Por Atanásio Mykonios

Uma vez que a Internet impõe um estado mental, envolto na consciência mundial viral, a tecnologia é apresentada como um dado da realidade natural do próprio desenvolvimento do capital se torna um elemento de qualificação da consciência alterada pelo modo virtual de compreender o mundo. Ademais, seguindo os moldes dessa contradição, a tecnologia é apresentada como absolutamente neutra colocada à disposição do desenvolvimento humano, sem considerar, até mesmo do ponto de vista ideológico, sua estreita ligação com o desenvolvimento da rentabilidade do capital em geral; e o fato de que a terceira revolução industrial plantou as condições, tanto lógicas quanto históricas, do fim da produção de valor em escala suficiente. O fim do trabalho vivo é a expressão máxima dessa condição inexorável, tecnologia dos computadores, em rede, implica a alta especialização das forças de produção e a inevitável queda dos rendimentos reais do sistema, também em escala mundial.
A cultura do capital, compreendida pelo modo industrial de ser reproduzida, atinge o ápice de seu desenvolvimento, material e imaterial, conjugado num processo dialético intenso, repleto de contradições. Alia-se a este processo, o modo pós-moderno de abranger e condicionar as ações dos agentes virtuais que se mantêm presos a um espectro tenebroso no contexto dos conflitos reais que absorvem as sociedades. A internet apresenta o efêmero dos discursos baseados em ideologias oriundas de grandes troncos de dominação e das formas de interpretação, elimina estruturalmente a contradição entre conteúdo e forma e promove o provisório da crítica, seja à direita ou à esquerda. 
O controle administrativo das relações de produção, das forças de produção e do modo de produção parece nos levar a um patamar de maior eficiência, mas a complexidade dos sistemas de computadores exige mais especialização e modernização, levando os agentes a uma exaustão – a concorrência universal força todos a se manterem no jogo. A Internet se resume à própria riqueza abstrata do sistema do capital. O desenvolvimento do capital em sua fase derradeira se situa no âmbito de sua total incapacidade de realizar a mais-valia e o aumento da riqueza financeira mostra a sua condição abstrata no contexto de um processo social de plena ilusão de sua liberdade.
Uma espécie de comunismo de cidadania, que implicaria, virtualmente, tanto uma suposta liberdade de expressões quanto um acesso aparentemente igualitário às informações, transformadas em mercadorias, nos leva a uma cidadania sem qualquer expressão real, vazia e ainda mais condicionada à abstração do termo, inferido pelo Iluminismo, como tentativa de envernizar o projeto civilizador do capital, numa ilusão programada de que a Internet é um paraíso sem valor e sem trocas, o gratuito parece fazer parte da mente dos usuários virtuais. Mas o aburguesamento das massas, mesmo que vivam em face à linha da miserabilidade ou se digladiem para garantir migalhas na combalida sociedade produtora de mercadorias, fez com que se tenha a impressão confessa de que estamos num mundo sem dinheiro, sem relações de exploração, onde todos estão livres para exercer a sua expressão de ideias virtualizadas, uma espécie de democracia esvaziada e espiritualizada.
A Internet traz o vaticínio da autodestruição do capital, sua metacultura nada mais indica que o esvaziamento de um sistema que agoniza sem parar. Enquanto isso, esconde-se a realidade social que impinge a todos o estado de exceção continuado, em que todos estão envoltos no manto da cegueira jurídica e midiática. O controle social instituído pelas redes de computadores é mais eficiente que os gestores de carne e osso, que ficam nos portões das empresas. Não tardará para que a barbárie institucionalizada pelos Estados-nação e pelos seus aparatos jurídicos avancem também sobre a Internet, as ilhas de suposta liberdade não existirão a não ser na mente e nos corações desavisados. A cultura da fábrica social desmorona sem que os olhos possam ver com clareza.
A passividade social migrou para o interior do virtual, a tecnologia transformou a vida cotidiana e concreta em pura virtualidade, como exemplo, o dinheiro que circula como capital virtual. As relações sociais de há muito, antes mesmo das redes virtuais, foram transformadas em virtualidades mediadas pelas máquinas. O pensamento virtual é a condição pós-moderna, isto é, difusa, confusa, histriônica, passiva ao mesmo tempo, politicamente desengajada e sem materialidade. É o estado de letargia que insiste em ser real, condicionando os indivíduos a uma espécie de estímulo-resposta sem o ato político real.
Os sistemas em rede criam um estado permanente de transitoriedade e paralisia, ao mesmo tempo. Transitória é a condição da modernização capitalista. A paralisia social expressa as formas de inação que atinge os sujeitos sociais em suas relações políticas, a impotência está ligada à organização de uma sociedade transversal que apresenta uma realidade paralela, sem limites e, ao mesmo tempo, absolutamente efêmera. As formas de controle administrativo se atêm ao que há de mais atual, no entanto, também as empresas e especialmente o estatismo se veem premidas pela necessidade de constante atualização. Os Estados-nacionais e seus serviços estão capturados pela rede que é estruturada em dispositivos que controlam burocraticamente a produção e engessam as rotinas produtivas.
A tecnologia é a nova Ideologia que reifica as formas de produção da estrutura vigente, o novo dogma da sociedade que engloba todas as esferas da produção e suas condições de reprodução. Sincronização, sistematização em massa de imagens e arquivos, administração dos tempos de aquisição e consumo, 24 horas no ar sem interrupção. São alguns aspectos do estado alterado da consciência que é massivamente domesticada, o tempo da produção é o tempo integral dos seres humanos em total obediência ao movimento tecnológico. O mundo das imagens é a realização mais profunda de um anseio da consciência impregnada pela ordem do capital, numa tentativa desesperada de se livrar do peso material da existência, um conteúdo platônico insiste em perseguir a humanidade, ainda mais na atual etapa do sistema social mundial do capital.
A individualização burguesa é o substrato da condição virtual. Os usuários globais das redes são átomos que navegam e compõem um mosaico que exprime a forma totalitária do isolamento social que favorece o tráfico de mercadorias virtuais. Proletarização social pelas condições materiais de empobrecimento em escala global com verniz ideológico do aburguesamento, não se trata de um pobre de direita, mas sim da consciência burguesa que penetrou decisivamente em todas as camadas de trabalhadores e em especial daqueles que não têm mais qualquer possibilidade de serem rentáveis aos olhos do sistema. O ato abstrato dos indivíduos sociais significa a expressão de um refinamento no pensamento abstrato.