terça-feira, 9 de julho de 2019

O Estado é contra ou a favor da Educação?

Por Atanásio Mykonios


Acreditamos na Educação que salva vidas, que superar crises, que engendra desenvolvimento, que elimina desigualdades, promove a emancipação, transforma em luz a vida de sofrimentos e nos dá a esperança de que o mundo será melhor com o conhecimento. Muitos dizem que estamos na era dos saberes!
Eis um elemento do fetiche da Educação.
Sim, as classes dominantes estão nos ensinando o que nós deveríamos ter aprendido a partir e por meio da nossa luta real contra a exploração. Deveríamos ter aprendido com os nossos fracassos educacionais, com os nossos programas educativos, com as nossas esperanças fortuitas e sem qualquer base nas relações concretas do mundo real.
O que elas nos ensinam?
Que não é possível uma educação igualitária. No interior do processo de exploração, é preciso levar em conta que no modo de produção e os processos de produção das coisas reais que consumimos, foram e são necessárias para uma divisão forçada do trabalho e mais que isso, uma divisão do valor das coisas. Não temos as mesmas possibilidades nem as teremos com essas relações desiguais.
Uma sociedade desigual não pode criar uma educação igual para todos. Isso é uma ilusão e uma ignorância da nossa parte. Tenhamos um mínimo de compostura diante das relações concretas e do movimento que a sociedade toma.
As classes dominantes e seus cães de guarda estão nos ensinando, a duras penas, que não haverá trégua, que não haverá qualquer possibilidade de generosidade ou voluntarismo, até mesmo alguma humanidade ou ações humanitárias que salvem os pobres, os miseráveis, os trabalhadores empregados e desempregados, garantindo constitucionalmente educação para todos.
Vivemos como quem flutua sobre um oceano de enxofre e gases de todas as espécies, como se jamais fôssemos despencar de nossos balões coloridos que flutuam ao bel prazer sem nos darmos conta de que o ar acaba. Nossos pés estão fora de órbita e nosso entendimento do mundo é o mais pervertido que possamos até mesmo imaginar com nossas parcas condições de conhecimento científico sobre nós mesmos.
Como é que de fato podemos crer que o conhecimento da história é, por si, suficiente para darmos cabo das lutas e da complexidade atual e mais, como podemos acreditar que a educação pode eliminar, no horizonte, esse oceano apoteótico de ignorantes que pairam sobre nossas cabeças e nos impõem o estado de sítio intelectual?
Assim, exigimos qualidade na educação e o Estado a garantir direitos educativos, da mesma forma como aqueles oferecidos, naturalmente, para as camadas de cima da sociedade e aqui não me refiro às ditas “classes médias”, porque, até mesmo nisso, somos demais empobrecidos, uma vez que imitamos o ideal dessa camada como a referência educacional para os trabalhadores em geral.
Insistimos na lógica iluminista de que todos, ao serem confrontados com as luzes da verdade, receberão a mesma orientação, como se todos estivéssemos ainda presos às nossas cavernas sociais e aos nossos bunkers ideológicos. Mesmo mantendo as estruturas de exploração, mesmo sendo guiados pelas telas de computadores e celulares, as relações concretas não mudaram de lugar e a lógica iluminista parece criar um véu que, paradoxalmente, encobre a nossa visão para o mundo das coisas concretas e do seu concreto pensado. Pois a ideia de que somos todos iguais perante a lei ou perante os portões escolares, acaba quando a sociedade pratica a sua condição e aí vemos quem é realmente quem nessa pantomima educativa.
Acreditamos que é possível uma educação que garanta, ao mesmo tempo, ascensão social e emancipação intelectual. Como se essas duas dimensões fossem complementares e estruturalmente condizentes com a sociedade que produz mercadorias. Nosso modelo de educação é um ideal de reproduzir a formação dada aos de cima, imaginando que assim, se bebermos das mesmas fontes, seremos libertos das nossas amarras, como se fôssemos responsáveis pelas amarras.
Também não podemos nutrir a ilusão de criarmos uma educação apenas para a classe trabalhadora e para todos aqueles que estão à margem. Porque isso representaria apenas e tão-somente a formulação de uma nova sociedade de classes e seria necessária a manutenção do Estado que protegeria uma nova classe. É preciso formar para uma sociedade sem classe alguma e sem Estado e isso nos parece absolutamente impossível.
Assim mesmo, exigimos que o Estado nos garanta educação igualitária, com acesso igualitário e em condições de igualdade nas disputas do saber e na encarniçada luta pela divisão do trabalho. Ora, tanto o Estado quanto as suas instâncias, neste caso, a Educação como espaço de luta privilegiado, são lugares não de saberes e sim espaços hierarquizados, conservadores e estruturalmente condicionados à reprodução necessária do modo de produção vigente.
Eis que as classes dominantes mostram a nossa real condição, de forma crua, indelével, como água cristalina e nós nos recusamos e enxergá-la. É a classe dominante, os fascistas, os neoliberais que estão nos educando, são esses grupos que em sua negatividade, nos mostram a crueza desse estado de coisas que se perpetua.
É comum ficarmos revoltados com o fato de que as massas de estudantes não querem estudar nem aprender, não desejam ser informadas nem querem assumir a responsabilidade da escrita, da pesquisa, do engajamento, enfim, da vida regrada e disciplinada pela ordem do conhecimento formal, sistematizado e hierarquizado. Por quê?
Ora, os trabalhadores vivem a contradição do sistema social que produz mercadorias. De um lado, oprimidos, reprimidos e sobre eles a imposição do trabalho e das condições necessárias para exercê-lo e de outro, uma espécie de luta interna, resistência silenciosa, fastio, exaustão, doença etc. Nesse meio estamos nós os educadores e a Educação e por fim, o Estado.
E por fim, um trecho significativo de A ideologia alemã, para nos colocar diante da predicação social imposta pela divisão do trabalho e pela produção de excedentes e o que isso implica para a nossa formação.

“(...) a divisão do trabalho oferece-nos logo o primeiro exemplo de como, enquanto os homens se encontram na sociedade natural, ou seja, enquanto existir a cisão entre o interesse particular e o comum, enquanto, por conseguinte, a atividade não é dividida voluntariamente, mas sim naturalmente, a própria ação do homem se torna para este um poder alheio e oposto que o subjuga, em vez de ser ele a dominá-la. É que assim que o trabalho começa a ser distribuído, cada home tem um círculo de atividade determinado e exclusivo que lhe é imposto e do qual não pode sair; será caçador, pescador ou pastor ou crítico crítico, e terá de continuar a sê-lo se não quiser perder os meios de subsistência (...)” (MARX, ENGELS, 1984, pp. 38-39).

MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 1º. Capítulo, seguido das teses sobre Feurbach. Supervisão de texto de Sílvio Donizete Chagas, São Paulo: Centauro Editora, 1984.

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