quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A forma abstrata do Estado

Por Atanásio Mykonios


Falamos em tipos de Estado, como se isso fosse possível. Nesse sentido, nossa visão do Estado é abstrata. E elaboramos uma negação abstrata do Estado. Não há forma de Estado, porque nem mesmo os socialistas ou os comunistas abriram mão do modo de produção capitalista. Todas as formas de Estado obedecem a um mesmo conteúdo. Continuamos presos a essa forma histórica que nos prende visceralmente. Até mesmo os anarquistas, em grande medida, olham para o Estado de forma abstrata, porque querem aboli-lo mantendo determinadas condições relativas à força de trabalho. O Estado é a expressão do capitalismo e a sociabilidade que ele engendrou é a sociabilidade do próprio capital em fluxo contínuo, com as amarras jurídicas necessárias para a sua realização. Ansiamos por uma democracia capitalista, ou uma democracia socialista com fortes traços de uma vontade geral, como um a priori transcendental que nos uniria em torno do Estado bem feitor da humanidade. O democratismo de esquerda está presente como elemento positivo do Estado. A esquerda se ilude, pois ao tomar o Estado nada mas fez e faz do que manter a estrutura e o modo de produção e exploração do capital. Não se trata apenas de acusar o Estado de favorecer os ricos com mais riqueza, extraindo dos pobres, essa é uma característica histórica do Estado brasileiro que foi transformado num Estado beligerante para atender a uma classe historicamente estruturada no poder. Mas esse mesmo Estado mantém o ordenamento jurídico, assim como todos os Estados-nacionais do mundo atual. Estados teocráticos, Estados autoritários ou de representação liberal ou socialista não abrem mão das condições gerais da produção capitalista. Por outro lado, a estrutura concorrencial entre as empresas, se transfere para os seres humanos e para os Estados-nacionais, todos nós, de modo universal, estamos metidos no emaranhado concorrencial que condiciona as relações de exploração. Por outro lado, quando a gente faz uma crítica negativa ao Estado sem considerar que tal crítica deva também levar em conta a crítica da economia política, aí, ainda mais, estamos apenas abstraindo o que o Estado é. Ele passa a ser apenas a expressão de vontades de grupos e de interesses difusos que se digladiam em torno das forças do capital. Ou seja, estamos aqui com uma prática a-crítica que coloca um a priori, isto é, de que o Estado é um dado posto e ponto final. Marx mesmo entrou nessa por algum tempo considerável. Porque na prática concreta, o que temos é um Estado da burguesia, mascarado de socialismos baratos ou de keynesianismos disfarçados de esquerda liberal e então partimos para as ideias de Estado em geral que nos confundem porque precisamos de um discurso de forte apelo voluntarista para expormos algo que não cabe no concreto do pensamento. Discutimos um Estado em geral e se percebermos, todos os movimentos as últimas décadas estão varados de luta contra os Estados-nacionais enquanto o sistema capitalista segue o seu curso de crise estrutural. Só porque os socialismos ou os movimentos revolucionários reproduziram o próprio sistema do capital, não significa que tenhamos de ofuscar a crítica radical ao Estado, com nuances relativistas em que o capitalismo não faz parte dessa questão. Pelo contrário, é a própria questão que envolve um modelo de sociabilidade que parece ser elevado aos céus como um espírito absoluto, conforme Hegel pensava. E nesse sentido, os partidos políticos não passam de agências do próprio Estado, o partido, seja ele qual for, está na exata medida das condições de reprodução do Estado e do sistema do capital. Que bom seria, de fato se o PT fosse banido da esfera da política institucional, ao menos, como os movimentos anarquistas, teria alguma possibilidade de reencontrar o mínimo de decência que perdeu ao longo de sua trajetória. E a cidadania oferecida como uma conquista de direitos pelos cidadãos, representa, em última instância, o reconhecimento formal de que este cidadão se submeterá juridicamente a um espectro de explorações oficializadas e legitimadas pelo Estado-nacional. Fazer com que todos sejam reconhecidos pelo Estado é, forçosamente, enquadrar todos nós no âmbito da legislação exploradora do trabalho abstrato. Esse Estado iluminista que tem na carta dos direitos humanos uma ordem e uma chancela para a exploração em senso-comum sequer é tocado, sequer é combatido. Portanto, no meu entendimento, nossas críticas são de uma positividade que reforça as condições de existência do Estado. Não lutamos contra a dominação sistêmica, lutamos sempre de forma tópica e acreditamos que nossas forças não podem jamais ir além do microcosmo que nos rodeia. Exigimos do Estado condições de vida. Mas, paradoxalmente, as condições de vida são um mecanismo que escamoteia a dominação total, uma vez que o Estado não pode promover a justiça social sendo o anteparo do próprio capitalismo. Esquerda, direita, fascistas, nazistas, grupos religiosos, todos parecem não perceber que o problema não é subjetivo e sim da ordem da exploração global, seja lá o que for, o fato é que o sistema do capital suga quem quer que seja e utiliza o Estado como mecanismo garantidor das condições gerais de produção. São irmãos siameses! Uma vez que o capitalismo alcançou a totalidade das relações, alcançou a hegemonia num processo histórico sem nenhum confronto para a sua real superação, uma vez que o sistema se tornou uma tautologia social, fica cada vez mais difícil e desesperador ficarmos sem o Estado, daí a destruição psicológica dos sujeitos sociais, cada um à própria deriva. Não encontramos saída porque cremos que a saída é pelo Estado, seja ele gerido por quem quer que seja. Este é o grande desafio da humanidade. Estamos presos a uma sociabilidade que nos reduziu a um punhado de direitos e resistimos no interior de um sistema que está para implodir e permanecemos positivamente, criando negações abstratas para nos apegarmos ao que ainda resta. Dentro dele não há saída!