quarta-feira, 18 de março de 2015

Educação, classe, lógica e história

Por Atanásio Mykonios



Há uma frase de Paulo Freire que tem percorrido as redes sociais desde domingo, 15 de março de 2015, quando várias pessoas, nos protestos, reivindicaram o fim de um modelo de educação, que segundo elas, tem um caráter eminentemente marxista. Exigiram o fim da pedagogia de inspiração marxista.

A frase é a seguinte: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.

Fico, no entanto, me indagando, afinal essa gente toda que foi às manifestações é o pessoal mais bem instruído do país, com as melhores formações em todas as áreas e com a maior titulação do ponto de vista acadêmico; tem a melhor educação que o dinheiro pode comprar, frequentou as melhores escolas de ensino de base e as melhores universidades, muitos, inclusive, em instituições públicas-estatais.

Mas se comportam de uma maneira que parece fora de qualquer contexto histórico. Disse que parece, porque não é bem assim que as coisas se processam. Há uma lógica e uma história nesse contexto que não pode ser escamoteada, sob pena de não termos clareza acerca do processo que envolve esse cenário de horrores.

Os sujeitos sociais que se manifestaram no domingo último se Valem de sua condição e de seu lugar nas camadas sociais, situadas mais próximas da classe dominante do que das demais, para impor um modelo de pensamento que, convenhamos, se fosse promovido pelos pobres, sabemos quais seriam as reações.

Há uma incineração da história, também, no mínimo, estúpida e perigosa. Mas não se trata apenas de uma ignorância da história, deliberadamente encontramos o propósito de revisar a história e de colocar em pé de igualdade posturas ideológicas que foram confrontadas ao longo de décadas de conflitos.

Ergue-se uma muralha intransponível. Essas pessoas saem às ruas e dizem palavras de ordem, que representam a construção de um discurso articulado com determinados fundamentos, cujos argumentos têm por princípio a defesa do estatuto de uma ordenação lógica com legitimidade histórica e social, defendendo assim a elevação desses princípios à sua condição de igualdade no confronto de premissas.

Com isso, a antiga lógica aristotélica não serve para esse panorama discursivo cujo mote é, sem dúvida, criar as condições para a hegemonia de um ou de outro discurso. Nesse sentido, uma parte da esquerda, especialmente a esquerda comprometida com a continuidade do governo Dilma, e seu gabinete, está na defensiva e não encontra mecanismos discursivos para reverter esse cenário. O discurso, com seus princípios fundamentais, para ser absorvido, não requer apenas o confronto de argumentos, exige também a luta pela sua imposição que não se dá apenas pela via lógica.

Espera-se que na escola, no ambiente de formação educacional formal, o aluno seja levado a exercitar diariamente essa condição de apreender conceitos e suas lógicas e aceitá-los ou não, também por meio de mecanismos lógicos e racionais.

A questão então é razoavelmente esta: igualar, na máxima potência, os argumentos da direita, num mix com vários conceitos que são oferecidos numa bandeja, que desembocam em reivindicações das mais variadas. À medida que esse discurso, com esse mix de conceitos, ganha sociabilidade e penetra a consciência social, há uma tendência em acreditar que suas premissas são verdadeiras.

Para isso, um elemento muito importante nessa construção é a mistificação da história, com a perversão das premissas, num confronto dialético que impõe, por parte de quem tem o interesse em fazê-lo, uma nova retrospectiva que garante a ontologia nova das premissas.

Na verdade essa parece ser mais uma questão de empatia do que de lógica ou qualquer forma de racionalidade. Vejamos o caso emblemático do julgamento de Sócrates, na Apologia escrita por Platão. Sócrates, que procede à sua própria defesa pública, consegue provar com argumentos lógicos que não há nenhuma imputação contra ele ou, de modo mais fundamental, demonstra que as acusações não tinham sustentação nem evidências concretas. No entanto, seus acusadores, no afã de levá-lo à condenação, por razões políticas e outras mais, conseguiram seu objetivo com a condenação à morte, criando um clima de empatia necessário aos seus propósitos.

Não importavam, portanto, que os argumentos racionais mostrassem aos inquisidores a verdade sobre os fatos, o que importava era o jogo de cena que legitimasse institucionalmente o julgamento, a condenação e o veredicto.

Assim, quais são os argumentos que possam sustentar que a educação, ou mais ainda, uma boa educação oferece condições para que o cidadão, bem formado, tenha como princípio o raciocínio lógico, seja ele construído a partir de dialéticas diversas?

O que há de errado nesse processo? Temos de pensar muito no que houve e no que está havendo, porque há duas hipóteses: ou essa formação é totalmente dirigida, ou a formação independe de interesses de classe.

Formulando a questão.

Se a princípio, a formação que essas pessoas recebem em sua trajetória formal de educação é igual, especialmente nas melhores universidades, ao restante dos formados, como pode ser dirigida a ponto de criar um quadro de perversão histórica e lógica, que desemboque na fúria ilógica das camadas intermediárias e trabalhadores?

Fico com a segunda hipótese. Isto é, a formação adquirida nos bancos escolares e acadêmicos pode não fazer diferença quando o que está em jogo são os interesses de classe e não a lógica ou a história, porque ambas ficam submetidas às condições reais e materiais da classe a que se pertence. Não se trata aqui de uma adesão formal e necessária, como os socráticos pensavam, quando o pensamento era dirigido, inexoravelmente, para a verdade, mas de outra racionalidade, que a princípio parece se apresentar de forma irracional, porém, é representativa de um modelo de relações sociais de poder que mantém a estrutura de poder conforme as expectativas dessas camadas médias.

A verdade, aqui, está condicionada aos motivos históricos de interesses e de forças que dominam com o poder político, a continuação dos próprios interesses que contribuem para a consolidação de sua posição social. Como se trata de uma pseudo-classe social, uma vez que ela só se sustenta como camada de trabalhadores especializados, técnica e cientificamente, seus interesses, em grande medida, se confundem com os interesses das verdadeiras classes dominantes - os capitalistas associados.

A educação formal, neste caso, não pode suplantar a lógica que move a própria classe dos capitalistas e, como camada intermediária de trabalhadores especializados, bem remunerados, seus intentos se movem na direção daqueles que exercem o real poder econômico. Assim, sua lógica e sua história são tomadas por empréstimo dos capitalistas e são mais eficazes em defender esses princípios do ponto de vista político.


Assim, a educação nesse caso, não pode ser a resposta definitiva para a compreensão dessa questão em jogo.