quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O bom liberal e o Estado

Por Atanásio Mykonios


O que um bom liberal, tornado neoliberal precisaria saber sobre o papel do Estado?

“Deve ser, pois, um Estado que cria ativamente as condições para a acumulação de capital, que protege os monopólios das crises econômicas, que enfraquece o poder dos sindicatos de trabalhadores assalariados, que despoja os trabalhadores da seguridade social, que privatiza as empresas públicas, que transforma a oferta de bens públicos (como as estradas, os portos, etc.) em serviços mercantis, que não só levanta, enfim, os obstáculos ao funcionamento dos mercados e das empresas, mas é capaz de criar as condições para que estas ultimas operem de modo lucrativo.” (Prado, Eleutério. A desmedida do valor. São Paulo: Xamã, 2005, pp. 132-133.)

Isso tudo está na cartilha, mas para cumprir esses “desígnios” do movimento neoliberal, é preciso criar condições morais extremas e necessárias, de que forma? A moralidade recai sobre a malversação das condições de administração do Estado. De certa forma, é onde a dita classe média se apega. A classe média patrimonialista e detentora da moral religiosa encara a administração do Estado como uma missão apostólica. A corrupção é o elemento mais importante nesse posicionamento ideológico. O discurso e o suposto posicionamento contra a corrupção têm como objetivo chegar à classe média, que raivosamente se coloca como guardiã da moral administrativa.
Por outro lado, os empresários e os capitalistas estão acostumados à prática contínua da corrupção em face das relações com o Estado que se tornou um agente econômico de caráter passivo diante do movimento contraditório do próprio capital e das forças produtivas.

Agora, o mais interessante, do ponto de vista sociológico, são os pobres, que estão submetidos às relações de exploração em cujo conteúdo reside, também, a corrupção. Eles trabalham para a classe média que pratica seus delitos diários contra os explorados, com seus privilégios e suas falcatruas; também trabalham para os grandes capitalistas e são vítimas desse mesmo processo.
Assim, o Estado tem funções que se assemelham às de uma empresa privada. Como tal, ele se submete às regras do mercado, a corrupção é, em última instância, a lei do mercado levada às raias do absoluto valor e da rentabilidade. Corromper representa o ganho total na relação de mercado, da oferta e da procura. Mas eis que os próprios corruptores criam uma cortina de fumaça, com seu discurso moralizante, dando a entender que somente há um lado nessa relação. Ele age como uma empresa no meio de outras empresas, tem bancos de investimento, tem petrolíferas, associa-se a outras empresas. As empresas estatais têm de promover lucratividade e o Estado precisa garantir a rentabilidade do capital em sua totalidade, em condições reais e mínimas de realização do valor.

Como então defender essa forma dita Estado? Os liberais e mais precisamente os neoliberais parecem estar mais comprometidos e propensos em defender o Estado corporativo administrado por tecnocratas e blindado pelos capitalistas associados. Sua moral, é a moral de comerciantes que avança sobre o Estado e o controla nessa nova fase do capitalismo.

A esquerda deveria sim abdicar dessa forma Estado, deveria deixar de apoiar essas relações estúpidas de um liberalismo aparentemente humanitário e pensar seriamente em destruí-lo conjuntamente com o próprio sistema que o nutre – o capitalismo. E com isto, ocorre que a esquerda fica presa, na verdade, refém de um modelo de gestão pública marcado pelo processo político de dominação por meio de um sistema representativo, que não representa nada a não ser ele mesmo. A liberdade total é traduzida pela liberdade do negócio e do mérito e os representantes políticos são apenas um elo nessa cadeia de manipulação. O cálculo econômico é deveras significativo para todas as atividades, inclusive a atividade política.


Na atual sociedade capitalista, os derrotados são agora vistos e tratados como inimigos, a guerra é contra os não rentáveis, é preciso colocá-los sob a rédea curta e mantê-los devidamente distantes, se possível em guetos bem demarcados territorialmente. A alternativa é se conformar e manter-se obediente às regras do mercado. Para os liberais atuais – os neoliberais – os pobres não contribuem social e intelectualmente para o avanço das forças produtivas, nem mesmo podem ser educados para tal objetivo, portanto, o ideal seria que eles não mais existissem. 

Ocorre que os neoliberais se escondem nos clássicos e em especial nos teóricos do Estado de bem-estar social e produzem uma imbróglio de conceitos e preceitos que não condizem com o real movimento do neoliberalismo, que atua como um trator sobre a sociedade. Não sei se por ignorância ou por má fé, até mesmo os teóricos liberais do Estado socialmente menos injusto, não cabem nessa onda de barbárie promovida pelo neoliberalismo. E ainda há quem pense que os neoliberais têm propostas de cunho clássico ou neoclássico. Enganam-se. 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Direito e Privilégio. Privilégio como Direito. Direito como Privilégio.

Por Atanásio Mykonios



Nós confundimos direitos com privilégios e vice-versa. Um país em que a abolição da escravidão se deu num contexto duvidoso, sendo o último no mundo a aboli-la, esse modo social e histórico de produzir criou raízes profundas em nosso processo de cultura e dominação das relações de poder. O sistema escravagista e o capitalista têm muito em comum. Na escravidão, não há direitos, apenas privilégios e estes são considerados como direitos inalienáveis e até divinos. No capitalismo, o direito à exploração se torna uma espécie de direito constitutivo do privilégio. Uma sociedade como a nossa, em que se tem a impressão de que não houve uma ruptura real, a condição dos privilégios hoje se torna um direito. 

Ocorre que a conquista de direitos por parte de outros, é considerada como a concessão de privilégios. Os que seguem com seus privilégios, se sentem ameaçados quando a parcela daqueles que não têm direitos lutam por estes. A inversão do discurso é algo muito interessante nesse casso, como um sintoma da ameaça do fim dos privilégios. Historicamente, quem goza de privilégios faz parte de um aparato de dominação cujo poder é exercido por meio de uma estrutura social organicamente articulada. A ideologia serve para proteger socialmente os privilegiados. Mas no capitalismo, o privilégio se reveste de direito com a fachada do mérito. Para os privilegiados, todos têm o mesmo direito e as mesmas condições, portanto, para eles, não se trata de privilégio, mas de direito adquirido por meio do mérito, coisa que aqueles que não foram capazes de merecer o privilégio (o direito), não merecem tê-lo. No entanto, aqueles que têm privilégios escondem sua condição histórica, escondem a sua origem privilegiada e a disfarçam com a noção de que construíram os seus caminhos para seu próprio merecimento, com esforço. 

O privilégio é parte de uma proteção social institucionalizada. Na escravidão, os papéis sociais são bem delimitados. Para os privilegiados, agora no capitalismo, esses papéis devem permanecer os mesmos. Como no capitalismo a venda do corpo para o trabalho tem um caráter jurídico de liberdade, uma vez que aparentemente nenhum trabalhador é obrigado a trabalhar, escamoteia-se a condição social e econômica de privilégios, jogando na vala do mérito o enfrentamento político com o escopo de manter os privilégios. Portanto, os privilegiados farão de tudo para manterem seus privilégios, aceitarão, inclusive, viverem sob uma ditadura ou uma pseudodemocracia, contanto que não haja alteração em sua condição. A condição social ocupada pelos privilegiados não pode ser esquecida, é a partir desse lugar que o privilegiado se coloca politicamente a fim de defender seus privilégios. Os oprimidos devem compreender esse processo para não caírem na armadilha de lutarem por privilégios ao invés de direitos. 

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Indiferença versus Solidariedade no Movimento de Exploração

Por Atanásio Mykonios

O capitalismo fragmenta a realidade e fragmenta a totalidade, de modo que nessa fragmentação os trabalhadores perdem, de alguma forma, a perspectiva solidária. É por isso que, a rigor, não somos solidários com a causa em geral dos trabalhadores de outras áreas.

Não fazemos greve em solidariedade à exploração em geral nem contra qualquer forma de trabalho. Não nos mobilizamos contra as condições precárias e a exploração de qualquer categorias a não ser a nossa.

Ficamos entusiasmados quando explode uma revolta de trabalhadores aqui ou ali. Disparamos toda sorte de análises, sempre com aquele caráter esperançoso e positivo. Ficamos com o ânimo renovado quando testemunhamos sublevações.

Mas, cá entre nós, enquanto trabalhadores de setores diversos, nos preocupamos com as agruras de nossa própria categoria profissional, não nos importa tanto a totalidade do processo de exploração. No máximo, torcemos para que a greve daquele setor do capitalismo traga alguma redenção, acue os detentores da dominação institucional e formal.

De resto, sabemos que o funcionalismo público tem tido mais força para lutar, as greves mais longas têm sido protagonizadas por várias categorias de servidores públicos. Cada vez mais os trabalhadores precarizados não conseguem se mobilizar.

A luta contra o Estado-nacional é o mote dessas mobilizações. O modo de produção capitalista continua na mesma. As expectativas de autogestão estão nos deixam sempre animados.


Isso demonstra que o trabalho no capitalismo cria, entre outras loucuras, o egoísmo corporativo. 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

ÁGUA E TERRORISMO DE ESTADO

Por Atanásio Mykonios



Há um processo de guerra para o controle das fontes de energia em todo mundo. Os gestores, tecnocratas e os próprios capitalistas associados estão preocupados em obter o controle direto dessas fontes. Os conflitos mais intensos que observamos na atualidade têm como foco prioritário vastas regiões onde petróleo, gás natural e carvão são alvo de ações extremas.

Num primeiro momento ficamos com a impressão de que se trata de ações patrocinadas por grupos extremistas que desejam a separação ou controle de áreas já sob sua influência. Os meios de comunicação apresentam apenas a parte da realidade que lhes interessa, o conflito parece se resumir a um amontoado de extremistas, fanáticos e estúpidos guerreiros com inspirações meramente religiosas.

No entanto, se ampliarmos a lente, perceberemos que coincidentemente, tais conflitos têm como base avançar sobre o poder de estados-nacionais, a fim de desmontá-los e conseguir o controle direto dessas fontes.

Em outras palavras, para os capitalistas associados, parece não haver mais interesse em manter grandes estados com poder de controle sobre fontes e recursos de energia para fazer o capital manter os equipamentos de respiração artificial que o mantêm com essa sobrevida. É preciso, portanto, chegar com segurança a esses recursos e para isso, nada melhor do que desmontar alguns Estados-nacionais que são obsoletos para essa ordem capitalista e financiar grupos extremistas com caráter separatista. Na Líbia, na Nigéria, na Síria, no Iraque, na Ucrânia, na Venezuela, o processo é praticamente o mesmo, com a diferença que na Venezuela, não é preciso a articulação de grupos de natureza separatista. Por outro lado, haja vista o ataque que está sendo promovido contra a Rússia – a queda do preço do barril criou desconforto para a economia interna russa.

Esses países e regiões em conflito bélico revelam mais que coincidências, mostram que o escopo desses conflitos armados têm como pano de fundo a obtenção do controle direto desses recursos, mas as forças econômicas e políticas utilizam o fator étnico e religioso para escamotear os reais intentos desse processo.

Em outros lugares, os gestores e os capitalistas não necessitam de grupos separatistas ou de radiais religiosos, o próprio Estado-nacional se encarrega dessa tarefa. Isto é, o Estado-nacional faz as vezes de um grupo terrorista. É o caso do Brasil, por aqui ainda não temos esses supostos fanáticos que beiram à condição medieval, temos, na verdade, tecnocratas muito bem articulados com os interesses mundiais. A suposta incompetência do governo do Estado de São Paulo revela, no entanto, uma grande competência no que concerne ao agir com métodos de um terrorismo de estado contra a população de um modo geral.

No Brasil, ao menos por enquanto, não temos inimigos contra a nossa cultura ocidentalizada, nossos conflitos e problemas dizem respeito a determinados grupos que ignoram ou fingem ignorar os grandes interesses que movem a relação entre o Estado-nacional e as forças do capital.

A água é um grande interesse, a água é a fonte fundamental da existência humana. A água é essencial para a produção em grande escala. É notória a capacidade das reservas que o Brasil possui quanto à água.

A considerar o que é possível inferir dos atos do governo do Estado, me parece, cada vez mais, que a estratégia é, sem dúvida, a mesma que em outras regiões do planeta, propiciar o acesso e o controle direto das fontes de água por meio de ações de desmonte e sucateamento dos serviços e, por fim, um terrorismo total sobre a população. Não se trata, neste caso, apenas da real possibilidade de privatizar os serviços de abastecimento e fornecimento de água, mais do que isto, o ataque para o acesso direto às reservas que estão aí. Esses atos revelam a violência total, objetiva e direta do Estado-nacional para garantir ao capitalismo mundial o acesso direto aos aquíferos no Brasil.

Tais atos consistem em acordos subliminares com a grande mídia para escamotear as realidade e criar um fato político estrutural para a legitimação dos seus interesses; o cumprimento das orientações advindas das associações de capitalistas e suas corporações; preparação para o confronto militarizado, ou seja, a militarização total das relações sociais de dominação política e econômica em que as forças de segurança passam a cumprir o papel decisivo de proteção jurídica dos interesses globais; o avanço sobre os direitos relativos ao uso da água, destituindo, gradativamente, o acesso a fim de criar as condições efetivas para a sua total privatização e controle – a ordenação jurídica nesse sentido ainda cabe ao Estado-nacional .  

Isso demonstra que por enquanto não há necessidade de desmonte total do Estado-nacional brasileiro, uma vez que este cumpre fielmente todas as etapas que lhe são designadas pelas determinações impostas pelo grande capital e desde que cumpra com os acordos e garanta o acesso direto. Assim ocorre também com a PETROBRAS, uma vez que é de interesse as jazidas de petróleo.

Isso demonstra que o capitalismo, em seu atual estágio, está mais mobilizado para ter o domínio total dos recursos energéticos que o sustentam, os esforços de guerra, em que as forças de segurança têm atuado, são no sentido de controlar as rotas de fornecimento em conjunto com a sua extração. Essa etapa do sistema revela em seu cerne maior brutalidade e maior concentração de força pulverizada em grupos de interesses locais que dominam regiões inteiras.

A forma do Estado-nacional se torna, a cada dia, uma ficção para o próprio capital transnacional. Basta apenas que alguns estados continuem fortes para manterem as estruturas de poder associado aos grandes capitalistas, enquanto os países periféricos serão alvo desse processo de desmonte contínuo. Onde for possível manter o controle dominando as condições gerais de produção garantidas pelo Estado-nacional, muito que bem, nesse lugar, ele cumprirá o papel de impingir a todos a força dos interesses capitalistas; mas onde isso não for possível, haveremos de presenciar a sua desintegração total.