sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Um voto pensado e repensado

Por Atanásio Mykonios

Não é fácil tomar uma decisão política, como membro de um grupo de discussão teórica e prática, mesmo em caráter individual; não é fácil tomar uma decisão política como eleitor atento; não é fácil tomar uma decisão política, como professor, pesquisador, etc.; não é fácil tomar uma decisão política tendo sido um membro do PT e há muito fora do partido; não é fácil tomar uma decisão política como um sindicalista que ainda sou, mesmo licenciado de minha atividade profissional para continuar meus estudos; não é fácil tomar uma decisão em meio a um turbilhão de antagonismos que nos tragam para o interior de propostas de economia política sem perspectivas reais de libertação e emancipação; não é fácil tomar uma decisão quando está em jogo a volta de forças retrogradas, reacionárias e fascistas, diante de um partido de trabalhadores que também cometera tantos erros e tantos impropérios com as causas históricas da própria história. Estamos, mais uma vez, num impasse histórico no que tange ao poder de administrar e conduzir o Estado-nacional-brasileiro.

Mesmo tendo seguido a minha linha de pensamentos nas últimas eleições, com o voto nulo – o não-voto – me vejo num dilema ético dos mais terríveis e devo confessar que não se trata de um passeio à beira mar com a mulher dos meus sonhos. Minhas convicções políticas estão colocadas à prova diante de uma questão crucial. Discutir os caminhos do processo econômico e político, quando estamos mergulhados numa polaridade, cujos debatedores se tornam vorazes em suas defesas, implica jogar no lixo, literalmente, a capacidade de analisarmos criticamente o contexto atual, afinal, nenhuma das propostas, efetivamente, pode me representar, mas nem por isto a análise crítica implica um distanciamento da realidade política, como muitos tentam apontar a suposta inação de quem está no campo da pesquisa. De fato, este campo tem sido pouco ouvido pelas forças políticas, mas nem por isso devemos nos isentar desse compromisso político-histórico.

No meu entendimento, um pensador não pode se furtar a abrir dialeticamente sua leitura dos fatos nem deixar que a realidade seja um joguete de emoções baratas, também deve conduzir seu processo de decisão num conflito contínuo de confronto político. Afinal, Marx disse “toda a ciência seria supérflua, se a forma de aparecimento e a essência das coisas coincidissem imediatamente”. Seria grande estultice simplesmente nos contentarmos com os fatos e deles abstraíssemos sua essências com suas aparências, pois é isto que a sociedade espetacular insiste em fazer da teoria um mero espetáculo de superfícies supérfluas e sem caráter prático.

A política não diz respeito apenas a ideias e argumentos, sobretudo, trata de uma luta e de conflitos de interesses entre grupos e não simplesmente entre sujeitos singulares, como se estes fossem portadores do ato político ou da estrondosa desmoralização que marca a política institucional. Esses grupos lutam encarniçadamente para impor seu modo de poder sobre o modo de produção e é no confronto que devemos compreender a política e não como os gregos, que muitos nos fazem pensar como um paraíso de argumentações lógicas em que os oponentes seriam facilmente convencidos, bastando uma construção racional e lógica. Os interesses de grupos não são facilmente demovidos com argumentos lógicos. Estamos no campo do poder e da dominação, da luta pela tomada do poder para conduzir os meandros da econômica política.
Por outro lado, nem todos os interesses são frontalmente confrontados, pois as forças hegemônicas esmagam, constantemente, outras formas de entendimento e de luta em favor de uma sociedade livre do capitalismo. No interior do campo das esquerdas, faço parte de um grupo que radicaliza a crítica ao capitalismo com a perspectiva de sua destruição, não por meio do antagonismo entre trabalho e capital, como se a tomada do capital pelos trabalhadores fosse capaz de trazer a tão sonhada liberdade e justiça social. Esse campo de ação e pensamento sequer foi colocado à mesa dos contendores políticos. Não é o Estado-nacional quem deterá o capitalismo.

Não sei se posso considerar uma derrota política. A teoria e a prática desse modelo de pensamento ainda não atingiram os partidos, os sindicatos, e em poucos casos, chegou a membros de alguns movimentos sociais. Ainda lidamos com discussões em vários âmbitos, no entanto, a crítica radical ao capitalismo parece estar longe dos espectros políticos institucionalizados. Os partidos de esquerda abordaram de forma tradicional a questão da luta entre Estado-nacional e capitalismo, como se o Estado-nacional fosse um aparato suprahistórico, autônomo, que serviria como um grande bem-feitor em favor dos pobres.
Este pleito nacional está longe de indicar um processo de emancipação humana, ao contrário, estamos às turras com modelos de gerenciamento do Estado-nacional que são extremamente condicionados pelo capital em geral, pela exploração do trabalho e levados a cabo pela tecnocracia, que assume o controle do aparato estatal já em franca colisão com sua própria contradição que, em última instância, é a contradição do capitalismo – valor de uso e valor.
Não pensem os amigos que não estou tomado de uma angústia histórica, pois estamos diante de uma escolha que foi levada ao máximo do antagonismo. Não posso deixar também de considerar o processo de infantilização do eleitorado brasileiro que não consegue sair de sua menor idade e caminhar com suas próprias pernas.

Estamos em uma arapuca política. Se um projeto de superação do capital não está na pauta geral das esquerdas, mas uma pseudossuperação, que escamoteia a reprodução do modo de produção capitalista em outros moldes, então tenho de pensar se devo de fato votar ou não em Dilma-PT-coligações-alianças.

Afinal, eu sei por que não devo votar em Aécio Neves para a presidência da República. Isto está mais do que evidente desde priscas eras. A pergunta que me toma de assalto neste momento é: Por que devo votar em Dilma? E me ocorrem três respostas possíveis e plausíveis. Sei que há outras, mas neste momento são as que me ocorrem com mais nitidez.

1 - Porque se não votar nela estarei abandonando os milhões de pobres que ascenderam materialmente na escala social do processo civilizador do capitalismo, por meio de políticas público-sociais?

2 - Ou porque devo impedir que as forças da obscuridade avancem sobre o poder do Estado-nacional-brasileiro, com seus conspiradores, seus pastores fascistas, seus investidores-abutres, seus homofóbicos, etc.?

3 – Ou as duas anteriores?

Em outras palavras, qual é a razão crucial para votar em Dilma? Posso me contentar em conjugar as duas respostas, o que seria de bom tamanho, no caso, dadas as condições em que está posta a questão. Se colocar numa balança, o que pesa mais a favor de sua eleição, deixar de lado as mazelas e as cagadas do PT ou a ação para fazer emergir milhões que estavam na pobreza material? Pesa mais isto do que a sombra que irá encobrir o Brasil com a obscuridade e deter um regime que irá beirar ao estertor da crise e culminará com ações repressivas que serão desferidas de muitos lados contra o povo, contra os trabalhadores em geral?

Ora bem, a decisão não é fácil como disse no começo desta reflexão. Talvez em meu íntimo tenha sido tomada, mas ainda terei um caminho a percorrer com meus companheiros de luta e reflexão a fim de amadurecer esse conflito histórico.