sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Aporia Histórica

No contexto mundial, cuja hegemonia histórica nos revela a consciência social do capitalismo que assombra as relações em todos os níveis atuais, parece impossível encontrar um veio capaz de transformar a indignação em realidade que faça superar o capitalismo. Esta obsessão quanto à necessidade de superar o capitalismo vem da compreensão de que se trata de um sistema opressor, que arranca ao indivíduo a sua própria individualidade. Esmaga a sua capacidade de autodeterminação, tira-lhe o melhor de sua força intelectual, faz dele um ser como os objetos que consome diariamente. Ele pode ser contado, calculado, determinado, seu valor, o tempo em que é estabelecido tem um valor, a espera no ponto de ônibus tem um valor. O indivíduo é transformado em uma coisa igual às coisas.
Me parece não haver nada semelhante na história das formações sociais.
Mais precisamente, o movimento do capitalismo iguala objetos e coisas produzidas a seres humanos. Esta é uma operação simples, mas que não se percebe com facilidade, isto demonstra que é um sistema capaz de envolver os indivíduos de forma tal que não lhes é possível perceber o que lhes ocorre. Marx percebera isto de forma magistral.  Ele mostrou que há um processo que engendra o homem num emaranhado do qual não consegue se desvencilhar, ele porta a consciência do sistema e este o enreda.
A vida diária está marcada por condições que afetam os seres humanos, sua expressão raramente é com intuito de mover-se contra o capitalismo. A hostilidade, de algum modo é o reflexo da expropriação material. A constatação de que somos mercadorias não chega a afetar as pessoas, inclusive, de um modo geral, não parece ser possível perceber o grau de gravidade nesta forma social.
Tudo fica absolutamente abstrato e por ser abstrato, distante, radicalmente, cindido. Esta imensa vocação à abstração nos cinde da realidade concreta. O capitalismo instaurou a metafísica no concreto da vida. A bondade, o altruísmo, a generosidade continuam presentes entre os seres humanos, assim como a sua maldade, fealdade, sua ganância e imoralidade. Somos capazes de separar a vida do capital e do resto de nossas próprias existências. Podemos ser bons sem nos darmos conta de que há um modo social que deve ser superado. Podemos nos consternar com as tragédias, mas em última instância, valerá a relação de comércio que nos pauta o mundo.
Não há relação entre os elementos da contradição nem pode haver na consciência social, a vida separada é experimentada com naturalidade em todas as formas de relação, na família, na religião, nos ambientes de lazer, no trabalho massificador e abstrato.
Aliás, é no trabalho que podemos compreender melhor o que nos atinge. Uma realidade avassaladora - é o lugar onde o torniquete social pressiona o corpo e a mente e transforma indivíduos em zumbis sociais.
Mas isto não é tudo, porque, na outra ponta dessa realidade, encontramos a abundância, tanta e com tantos elementos que se tornam conquistas legítimas. A privacidade, a liberdade dos indivíduos em determinadas circunstâncias, o conforto tecnológico, o acesso à informação, os modelos matemáticos que conduzem nosso cotidiano urbano.
Mas para criticar o capitalismo com vistas a superá-lo, sem ser obsessivo, é preciso abarcar linguagens mais amenas, menos incisivas, ou, diria, menos radicais. A cultura foi absorvida pelo capitalismo e por mais que tenhamos espaços nas expressões culturais, os indivíduos estão interessados em que na música, na poesia, no teatro, no cinema, haja reflexão dispersa nas formas amenas. Uma espécie de pensamento anestesiado, que visa refletir sobre o mundo das formas, os valores da pequena-burguesia continuam na moda para serem consumidos nos divãs e nas prateleiras das grandes livrarias.
Por outro lado, cada vez mais distante no horizonte parece estar a derrocada do sistema. Isto nos coloca diante de outra exigência. Muitos acreditam que ainda há tempo para digerirmos o consumo, as riquezas, as relações que nos garantem alguma segurança afetiva. Se houver mudança radical, ela ocorreria no futuro, preferencialmente distante do nosso horizonte. Nossos horrores podem ser administrados sem que tenhamos de conviver com a iminência do colapso ou da barbárie. O capitalismo é bárbaro, paradoxalmente ao fato de que ao se estabelecer, necessita de condições pacificadoras para que seus negócios prosperem em todos os âmbitos sociais. Nossos interesses também se tornam difusos, mas importa aproveitar os oásis de consumo que nos é oferecido por agora.
O nosso problema crucial é que não há como amenizar esta realidade. Humanizar o capital não eliminará, em hipótese alguma, a produção de valor. O que está por detrás desta forma social é que ela controla os seres humanos e não o inverso. Produzir valor é produzir mercadorias e o fetiche aí embutido revela a real condição de nossa sociedade.
Aqueles que permanecem na crítica radical ao capitalismo, estão enclausurados, isto não quer dizer que não há pensamento nem teoria a respeito do contexto atual. Mas mesmo assim é difícil entender quais as justificativas pelas quais os seres humanos se debatem para manter um sistema social absurdo. São muitas as explicações, mas é impressionante como somos submetidos e nos submetemos.
Talvez e por isto temos nos colocado numa espécie de aporia diante da própria realidade. Como totalidade, o capitalismo parece ter atingido a sua estrutura máxima, a tautologia histórico-social e daí a tendência a esperar pelo fim. A chegada à totalidade implica, ato contínuo, sua decadência.
Mas é aporia à medida que o projeto de civilização capitalista chega ao seu estertor e realiza seu projeto ao mesmo tempo em que aponta para a sua destruição, devorando a si mesmo como um monstro.
Isto demonstra, por outro lado, a engenhosidade de um sistema capaz de subsumir a toda forma de hostilidade e que para continuarmos a ser hostis a ele temos de nos utilizar dele mesmo. Esta é a contradição que toda forma de filosofia não é capaz de encontrar um caminho de superação. Aliás, não compete à filosofia buscar os caminhos, creio que seu papel de denúncia deve ser apresentado ao conjunto da sociedade para que façamos juntos. Devemos pensar em SUPERAR o Capitalismo, Extirpar, Transformar ou Destruir? Talvez ele encontre sua própria destruição sem a ação definitiva dos indivíduos e suas organizações.
A reprodução desse processo também é historicamente observável. Encontrar uma linguagem capaz de furar o bloqueio da teoria e dialogar com a sociedade é um caminho que deveremos seguir se quisermos contribuir para a superação do capitalismo.

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