sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O MUNDO É UM SÓ?

Meu tempo, meu sentido
A rotina, o desejo, a vida
A miséria, a miséria, a miséria
Como nasce, como morre
Riqueza, pobreza, angústia
A rosa caída, o homem caído
Capital, bolsa, investimento
De cada qual nada se veste
A vida solitária em mundos preenchidos
As gôndolas absolutas
Carros e abundância
Mais gordos, mais lentos
Mais técnicos
Botões para apertar
Telas que nos mostram o virtual
Nada permanece
Colonizado o corpo
A mente, o tempo
Do trabalho, o valor
O controle, o ajuste
Rentáveis do mundo se unem cada vez mais
Coloniza a vida, espírito do tempo
Capital, província, estado
Tudo tomado, longa noite para a humanidade somos todos iguais
Na noite, no dia, somos iguais
As armas de plantão apontam para a repressão
Qualquer voz está calada?
Não há ilusões
O tempo da queda está presente
O espírito do mundo agoniza pelo capital, em nome do capital
Dinheiro? Ora, para quê? A vida toda é valor
Uma montanha infinita do valor sobre o valor
O cume da cisão, lá de cima vemos o mundo subsumido
Aqui embaixo, formigas humanas se acotovelam
Resta a esperança? Resta o legado da vida que persiste
Agora o mundo é um só, nosso sonho se realizou
A vida é uma grande mercadoria
Basta isto para nos tornarmos mais imbecis

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Entrevista com Sartre

CRÍTICA DA NECESSIDADE SOB A BASE DA TEORIA DO VALOR: NA EXPRESSÃO DE MARX E OUTROS PENSADORES

Karl MARX

A necessidade de dinheiro é, pois, a necessidade real criada pela economia moderna, e única necessidade por ela criada.

(Trabalho alienado. Manuscritos Econômicos e Filosóficos. Tradução de T. B. Bottomore. In FROMM, Erich. Conceito Marxista do Homem. Tradução de Octavio Alves Velho. 4. ed., Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, pp. 127-128.)


Até hoje nenhum químico descobriu valor-de-troca em perolas ou diamantes. Os economistas que descobriram essa substância química e blasonam profundidade crítica acham, entretanto, que o valor-de-uso das coisas não depende de suas propriedades materiais, e que o valor, ao contrário, é materialmente um atributo das coisas.

(O Capital: crítica da economia política. Livro Primeiro. O Processo de Produção do Capital. Volume I. 12. ed., Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1988, pp. 92-93.)


Na relação do dinheiro, no sistema desenvolvido de troca (e esta semelhança seduz os democratas), nos laços da dependência pessoal, das distinções do sangue, da instrução, etc., de fato são explodidos, rasgados acima (ao menos, os laços pessoais todos aparecem como relações pessoais); e os indivíduos parecem independentes (esta é uma independência que é na parte inferior meramente uma ilusão, chamada mais corretamente de indiferença), livres para colidir um com o outro e acoplar na troca dentro desta liberdade.

(Grundrisse der kritik der politischen ökonomie. A Contribution to the Critique of Political Economy (1859). Tradução de S.W. Ryazanskaya. Transcrito por Tim Delaney, 1999, pp. 67-68. (disponível http://www.marxists.org/archive/marx/works/1844-epm/index.htm , acessado em 15 de janeiro de 2008.)


O capitalista só funciona enquanto capital personificado, [o capitalista] é o capital enquanto pessoa; do mesmo modo, o operário funciona unicamente como trabalho personificado, [trabalho] que a ele pertence coco suplício, como esforço, mas que pertence ao capitalista como substância criadora e incrementadora de riqueza.

(Capítulo inédito d’o Capital: resultados do processo de produção imediato. 1863. Tradução de M. Antonio Ribeiro. Porto, Portugal: Publicações Escorpião, 1975, p. 44. (Biblioteca Ciência e Sociedade))

Anselm JAPPE
Não se exagera muito se se afirmar que a conversão da fórmula M-D-M na fórmula D-M-D’ encerra em si toda a essência do capitalismo.
(As aventuras da mercadoria: para uma nova crítica do valor. Tradução de José Miranda Justo, Lisboa: Antígona, 2006, p. 61.)
Na sociedade mercantil completamente desenvolvida, ou seja, na sociedade capitalista, o dinheiro, e portanto, também o trabalho que constitui a respectiva substância, é um fim em si mesmo.

 (Ibidem, p. 61.)

Wolfgang Fritz HAUG

na subserviência amorosa da estética da mercadoria é ambígua: na esfera em que atua a estética da mercadoria, o capital domina a consciência e, por conseguinte,  comportamento das pessoas, e finalmente o valor de troca em seus bolsos mediante a empatia do servir.

(Crítica da estética da mercadoria. Tradução Erlon José Paschoal. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997, p. 80. (Biblioteca Básica).)

A aparência na qual caímos é como um espelho, onde o desejo se vê e se reconhece como objetivo. Tal como em uma sociedade capitalista monopolista, na qual as pessoas se defrontam com uma totalidade de aparências atraentes e prazerosas do mundo das mercadorias (...)

(Ibidem, p. 77.)


Alfred SOHN-RETHEL
3. A abstração mercadoria (p.11-16)
No contexto de sua análise da forma mercadoria, Marx fala em "abstração mercadoria" e em "abstração valor". A forma mercadoria (Warenform) é abstrata, e a abstração domina em todo o seu circuito. Em primeiro lugar, o próprio valor de troca é ele mesmo valor abstrato, em contraposição ao valor de uso das mercadorias. Somente o valor de troca é passível de diferenciação quantitativa, e a quantificação que aqui se apresenta é, por sua vez, de natureza abstrata em comparação com a determinação quantitativa de valores de uso. O próprio trabalho, como Marx sublinha com particular ênfase, torna-se fundamento da determinação da grandeza do valor e substância do valor somente enquanto "trabalho humano abstrato", trabalho humano como tal tout court. A forma em que aparece sensivelmente o valor da mercadoria, ou seja, o dinheiro (quer como moeda, quer como bilhete) é riqueza abstrata, à qual já não se colocam mais limites. Como possuidor de tal riqueza o próprio homem torna-se homem abstrato, sua individualidade torna-se a essência abstrata do proprietário privado. Enfim, uma sociedade, na qual a circulação de mercadorias forma o nexo das coisas, é uma conexão puramente abstrata, na qual todo concreto se encontra em mãos privadas.
Trabalho espiritual e corporal: para a epistemologia da história ocidental. Tradução de Cesare Giuseppe Galvan. http://adorno.planetaclix.pt/sohn-rethel-anexo.htm 

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Guerra Legitimada

A guerra contra os pobres e miseráveis está aberta. Em todos os ambientes urbanos, as elites se sentem ameaçadas. De alguma forma, a opinião pública deve ser convencida de que há inimigos públicos. Os traficantes são a bola da vez. Todos devem ser presos, de preferência, mortos. O consumo de drogas é constantemente marcado como a referência para a violência urbana. Matar bandidos traficantes tornou-se uma ação justa e legítima, socialmente aceita pela opinião pública. Os pobres sabem o que lhes espera, a cadeia é uma das estações ao longo de sua vida precária. Todos conhecem as condições aterrorizantes das cadeias públicas, os marginais, miseráveis, traficantes, bandidos sabem que sua estadia nos presídios não será nada agradável.
A operação de guerra mobiliza o Estado. As câmeras de TV, atentas, mostram a mobilização. Pela primeira vez, os militares e policiais do Rio de Janeiro são apresentados como se estivessem em uma guerra global. Tropas de elite, exército, marinha, etc., todo aparato para uma operação de envergadura. O Brasil teve sua semana de guerra do Golfo. Os soldados fazem poses, sobre tanques e carros blindados. Bonés, caras pintadas, metralhadoras em punho, todos fazem caras de maus, de soldados prontos para a guerra. O glamour da guerra, a fisionomia de soldados prontos para a o combate, desde as cenas do Vietnã se tornaram coqueluche. O cinema popularizou a atitude do soldado com o cigarro no capacete. É bem verdade que hoje o soldado socialmente correto é aquele que não fuma, ou, ao menos, mostra publicamente que não fuma. Mais tarde, na primeira guerra do Golfo, pilotos de caças da marinha norte-americana deram depoimentos de que como se sentiam ao atingirem alvos, as máquinas transformavam a guerra em um videogame. A partir de então, era como se a guerra verdadeira fosse substituída pelo jogo e a TV apresenta-a na forma de uma imagem espetacular. O cinema e a realidade se confundem absolutamente
Aqui, o cinema brasileiro também glamourizou o militar nacional, mas não o soldado, afinal, o militar nacional teve sua mancha devido à ditadura que espalhou o terror e a destruição. Mesmo que não tenha sido essa a intenção, o militar da tropa de elite da polícia passou a ser visto como um personagem de história em quadrinhos.
Os policiais cariocas foram transformados em heróis nacionais, em menos de duas semanas, a imagem da polícia mudou drasticamente. Era uma imagem construída sob os escombros da miséria, da violência, do abuso de poder, da corrupção individual e institucional. De repente, como num apertar do controle remoto, a polícia se vê diante da possibilidade de se tornar a instituição por excelência, salvadora e libertadora dos pobres. Os serviços do Estado, bem como as próprias polícias, não conseguiam avançar e tomar os morros cariocas, com uma simples ordem, uma operação espetacular é desencadeada.
A estratégia é elevar todos em atores de um cenário de extrema beligerância. O contexto é de guerra, os inimigos numa guerra podem e devem ser exterminados. Os termos utilizados tanto pelos meios de comunicação quanto pelas autoridades e militares são da específica linguagem da guerra. É preciso fazer com que todos adquiram o espírito do tempo, a guerra está presente e deve ser assumida por todos.
O conflito social será tratado com mão forte. Não importam as causas. Nada deterá as forças da guerra em avançar sobre as áreas urbanas de conflito. Mas por quanto tempo? sabe-se, cada vez mais, que as periferias dos grandes centros são perigosíssimas. Áreas conflagradas, chacinas, perseguições, medo. Os ricos estão com medo. Extensas áreas devem ser revitalizadas para o mercado. Grandes eventos esportivos no Rio de Janeiro requerem a atenção dos investidores, dos construtores e dos empreendimentos imobiliários.
A guerra contemporânea, mais e mais tem como propósito reativar a sociedade produtora de mercadorias. Invade, destrói, arrasa e depois reconstrói com o fito de trazer a liberdade da mercadoria. Neste âmbito, a sociedade é transformada e o mundo da mercadoria invade todas as sociedades e culturas.
Aqui, não parece ser muito diferente. No entanto, ainda o presidente Lula acredita que é possível resgatar os pobres nas áreas conflagradas. Sua política é de perseverar e colocar os marginais no mercado, guardando as devidas proporções, uma vez que os bandidos devem ser eliminados da comunidade, extirpados da vida social.
Ao longo da história, os pobres sempre estiveram em zonas de conflito, sempre estiveram em dificuldades. Necessitaram, em muitos períodos de guerra e miséria, da proteção. É característica da miséria, no capitalismo, a fragilidade, a dependência social, a emergência da proteção social, material e espiritual. Foi assim na Idade Média e hoje observamos a chantagem a que são submetidos nas periferias e nas zonas conflagradas. Gaza, Morro do Alemão, Cidade do México, periferia de Nova Delhi, Paris.
Os atuais inimigos não passam de pobres, absolutamente atirados à própria sorte. Os problemas do capitalismo não estão na ordem do dia para serem refletidos e abertamente dispostos a uma crítica. O que importa é garantir as condições para que o mercado assuma definitivamente a condução do processo social. A lógica da mercadoria é a sua ética, sua ontologia é sua condição fundamental, a saber, promover nas consciências o espírito do capital e na materialidade, as condições de sua realização de modo absoluto – processo inexorável. Os não-rentáveis deverão se submeter ou perecer. O consumo de drogas poderá fazer uma parte do trabalho sujo, morte, dependência, violência. De outro lado, os grupos criam espaços para manterem suas identidades. Funkeiros, adeptos do hip-hop, poetas avulsos, grupos culturais, gangues, torcidas organizadas, além de jovens religiosos de várias denominações cristãs assumem todos, de um modo ou de outro, o destino da periferia.
A escola pública faz o papel de contenção das energias. Socialização camuflada na forma de ensino formal e básico. Trata de garantir minimamente as relações entre iguais. O treinamento fundamental diz respeito a uma espécie de processo civilizatório, reduzido a uma lista de comportamentos minimamente esperados para trabalhadores com pouca rentabilidade.
Matar os pobres com vista panorâmica a partir do sofá da sala é um exercício da nova cidadania dos consumidores modernos. A guerra está presente, o Estado assume seu papel de limpeza daqueles que não podem produzir, aqueles que conseguirão consumir terão algum espaço, transitarão com certa liberdade, mas restringidos a determinados territórios.
Nossa tragédia está só no começo.

domingo, 26 de dezembro de 2010

DEPENDÊNCIA E REPRODUÇÃO

O capitalismo é voraz. Avança sobre as estruturas sociais impiedosamente. Um aspecto cruel do capitalismo é o fato de que ele cria uma ordem de dependência absoluta e, por isso mesmo, um dos fenômenos do capital é a miséria, diferentemente do que entendemos historicamente por pobreza, a miséria é a absoluta dependência, o esmagamento, a espoliação total, mas sem o descarte definitivo. A miséria é a expressão última de uma das pontas dessa relação social. Neste processo, o que espanta é a condição em que o capital se coloca nas regiões menos desenvolvidas, quando o sistema chega com sua voracidade, as consciências se transformam ainda com muito mais rapidez, mais força e violência. A dependência gera a necessidade de se transformar no oposto do que a experiência histórica calcou as formas sociais que, de alguma forma, pareciam viver apartadas do próprio capitalismo. Isto nos leva à tese que tenho defendido cada vez mais, a de que o capitalismo atingiu a ordem total do mundo e as consciências atuais se tornam ainda mais ferozes na manutenção e reprodução automática desse monstro. Observamos mais amiúde que as relações sociais passam a ter uma única fonte para o comportamento ético, uma única ontologia, a ontologia social da sociedade produtora de mercadorias. Os indivíduos nas regiões que aparentemente consideradas atrasadas economicamente, absorvem a tendência da reificação com a força propulsora de um míssil atômico. Mas isto não quer dizer em absoluto que não há resistências, pois existem em várias partes do mundo – México, Colômbia, Brasil, Palestina, África Central, Europa (Grécia, Espanha, Itália, França, Irlanda). Por outro lado, essa tendência é o germe de um processo, cuja culminância será o estopim mundial, o rastilho de pólvora está a caminho.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Um dos porta-vozes do capitalismo

Muitos são os porta-vozes do capitalismo. Alguns personagens encaram o modo de ser das relações atuais. Desde criança, somos engrenados na ordem da sociedade que produz, vende e compra mercadorias. Não importam se são livros infantis, brinquedos, ensino, roupa, qualquer coisa, desde que seja comprada por meio do trabalho. A dignidade do trabalho nos é ensinada também desde a nossa tenra infância. Tudo parece estar concentrado nesse princípio, o começo da nossa trajetória social, quando aprendemos tudo de que precisamos para transitar entre o conhecimento, a empresa, a ordem, a obediência, a família e o Estado. Nos meandros ainda somos inseridos nas tradições culturais, tanto quanto étnicas ou religiosas. Aprendemos desde cedo a lógica comercial, atingimos a idade adulta completamente cônscios das nossas obrigações sociais, comprar e vender. O que nos move, em última instância é uma espécie de ética dos comerciantes. A partir de um determinado momento em nossa história social, somos movidos pela obediência a um sistema, de tal forma que parece não ser mais necessária aquela opressão educacional para manter o sistema. Mesmo assim, deve haver, sempre, aquelas formas simbólicas que se tornam presentes para nos lembrar que há algo de muito justo no que estamos fazendo. É assim no Natal. Nada mais simbólico e fortemente massacrante que a imagem do Papai Noel, que está em toda parte, na China, na Tailândia, no Chile, na Rússia, em Angola, no Canadá, na França. Ora, não importa onde, essa personagem aparece como um fantasma que assombra as nossas consciências com o imperativo categórico de que devemos presentear quem amamos incondicionalmente. Natal sem presentes não é Natal. Mas os presentes são a realização máxima do capitalismo, que chega à sua culminância com a determinação sempre revestida de um verniz absolutamente moral e afetivo. A personagem que ganha um sentido universal, seu papel é metafísico, na medida em que nos faz crer que o sistema chegou à sua totalidade. Papai Noel nos dá a certeza de que vivemos a tautologia planetária, em que o lógico e o histórico se conjugam a uma só voz, numa única imagem, absolutizando as condições reais da existência e eliminando a dialética. Papai Noel não é mais do que a tentativa de um sistema arrancar da vida qualquer sentimento que valha a pena ser vivido para além da relação instituída pela produção da mercadoria – a forma mercadoria que expressa a forma do valor. Papai Noel é a consciência do capitalismo que nos instiga a sermos passivos, dóceis, amáveis uns com os outros, especialmente com as crianças, que são estupidamente alçadas à condição de protagonistas do Natal. Esta sociedade precisa no Natal para satisfazer a sua sodomia de sorte que é por meio dele (o Natal) que a vida parece menos animalesca, mais humana, talvez na tentativa de adquirir algum sentido para uma ética que lança os indivíduos à sua própria sorte. Feliz Natal significa, em outras palavras, que a Mercadoria reine indistintamente das culturas, da história, da vida, da existência.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Revolução cibernética?

Será que a sociedade da informação tem condições de desnortear, no mínimo, o capitalismo? Há elementos na nova estrutura social da rede de computadores para destruí-lo? O mundo financeiro, que é uma expressão do sistema, vive uma realidade instantânea. Os montantes de dinheiro circulam virtualmente, não há mais necessidade de lugares físicos para guardar dinheiro em espécie. Mas isto é apenas uma parte do processo do capital, volátil, instantâneo, promovido por uma elite que está livre para decidir onde gastar e como produzir. Apesar de não ter havido mudanças no conteúdo do capitalismo, como um camaleão, ele altera sua própria forma. A sociedade computadorizada é uma dessas mudanças drásticas que estamos vendo na atualidade.
De modo radical, temos de afirmar que o capitalismo será destituído a partir do momento em que haverá condições para que o modo de produção seja reformulado, isto significa afirmar que a estrutura da sociedade produtora de mercadorias deverá ser substituída por uma nova forma social de produzir, superando a forma-valor, o valor-de-troca, o trabalho abstrato por outra categoria historicamente comprometida.
Portanto, é preciso que a rede social de computadores tenha condições e capacidade de enfrentar esta questão e apoderar-se das formas de produção ou interferir em sua ocorrência a fim de que o processo de produção encontre outras vias.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Por que uma Crítica da Necessidade?

A partir de um determinado ponto da minha trajetória como filósofo menor, percebo que não é possível abrir mão, nesta fase da vida ou tergiversar quanto a algumas convicções que se tornam cristalinas. Estas são fruto de um processo de reflexão e comprometimento, o que não significa que se tornem efetivamente ordenamentos metafísicos, cristalizados, rígidos, mas são leituras do que considero importante acerca das minhas posições contra o capitalismo.
Tenho algumas predileções e afinidades na Filosofia, adquiri interesse especial pela Filosofia da Mente, assim como a História da Filosofia Antiga, a Linguagem, a Ontologia, mas, sobretudo, o que me move não é apenas uma motivação teórica que ensejaria uma pesquisa desmembrada do mundo real; para mim, há um elemento substancial que me move - a superação e o enfrentamento do capitalismo. Não me interessa a formulação de um sistema filosófico, mas a elaboração de um modo de pensar acerca do capitalismo em seu estágio atual.
Já não há como voltar atrás nesse propósito, pois envolve a totalidade da minha vida, o modo como observo o mundo e a realidade, a forma como me coloco no interior das relações, a totalidade da existência e os compromissos que estabeleço no meu cotidiano e o preço que até o momento tive de arcar em vários aspectos da minha vida. como John Holloway, acredito que a academia tem se furtado, cada vez mais, a uma atitude crítico-reflexiva não apenas sobre seu papel histórico, mas também quanto à contribuição que poderia dar a fim de enfrentar o sistema. Porém, a universidade tem sido inundada por gerações de gestores e pesquisadores que afirmam sua determinação em reproduzirem orgulhosamente o status do capitalismo sem sequer a mínima postura crítica. São gerações refratárias e o tempo tem se encarregado de amenizar cada vez mais as oposições, arrefecendo as vozes, criando a indiferença em favor das virtudes que o mercado estipula para os estudantes.
Também penso nos burocratas acadêmicos que forçam as estruturas para engordarem seus currículos, aumentarem sua produção, reproduzirem as formas estabelecidas pelo capital, a mercantilização do ensino e do conhecimento.
Meus estudos e pesquisas são inspirados no problema específico, meu objeto de estudo é o capitalismo, destarte manter um leque amplo de preocupações no campo da Filosofia, mas o ponto fulcral é este sistema.
Por um lado, ainda não encontrei os conceitos mais precisos para elaborar a teoria de que me proponho a fim de enfrentar os aspectos eleitos como problema no âmbito do sistema capitalista; por outro, tenho encontrado resistências em alguns ambientes que demonstram, historicamente, serem refratários às questões que tento elaborar. Mas nem por isso irei desistir das questões que norteiam a minha vida profissional, o meu modo de ser no mundo, o compromisso que assumi com a transformação das relações impostas pelo capitalismo.
Tenho me perguntado, insistentemente, qual é o elemento que me move a combater o capitalismo em minha profissão, tanto quanto em minha história de vida, especialmente. O que torna o capitalismo um sistema absurdamente estúpido, para além de tudo que a humanidade viveu até a sua chegada? A sua infinita capacidade de desumanizar os seres humanos seria uma resposta convincente? Teria ele arrancado de da Terra a sua infinita capacidade de nos sustentar? Seria talvez um monstro sem face, sem cérebro, sem determinação, que de modo absoluto nos conduz a um abismo? Seria pelo fato de produzir miséria, violência e devastação de forma irreparável?
Na atual conjuntura, para o meu trabalho, qual o problema que se tornou filosófico? Para seguir em frente, é preciso reconhecer que não é sem tempo que o capitalismo atinge novos problemas, tão iminentes quanto a emergência de sua realidade desumana.
Desde o seu começo, o capitalismo absorveu rapidamente a estrutura social, penetrou em todas as formações humanas, colonizou, com velocidades diferentes, as culturas, as tradições, transformou-se em linguagem comum, absorveu a perspectiva dos seres humanos, conduziu a um determinismo as instituições sociais, como a política, o Estado, e criou novos âmbitos que se tornaram elementos de sustentação do sistema, como, por exemplo, a mídia, as redes sociais, as corporações. Este sistema teve sua anatomia diagnosticada por Karl Marx, que identificou sua lógica interna, em outras palavras, suas leis que regem o capitalismo. Esta lógica não foi alterada até o atual estágio do capitalismo, mas diante do contexto contemporâneo, há novas exigências e enfrentamentos que devem ser empreendidos.
Destarte o fato de o capitalismo experimentar cada vez com mais frequência crises sistêmicas, suas lógicas internas não se modificaram. Podemos observar que o processo produtivo engendra novas formas de relação no âmbito do trabalho, novas tecnologias impõem novas relações para atingir os mesmos objetivos, a realização da forma mercadoria. Porém, internamente, o capitalismo emerge como um modelo que se expande indefinidamente e cujas regras não se modificaram, apenas assumem faces adaptáveis conforme o processo produtivo.
Apesar da crise prevista no que concerne à exaustão da utilização e consumo dos recursos, há um dado que não tem merecido dos estudiosos o interesse necessário que a realidade está a exigir de cada um de nós. Trato aqui do problema crucial da Necessidade, em todos os seus aspectos relativos ao capitalismo. A abundância produzida em decorrência de vários fatores é apenas um dos elementos recorrentes. A sociedade capitalista conseguiu arrancar da natureza uma quantidade de energia absolutamente inimaginável em comparação há 2 mil anos, quando as cidades gregas e seus habitantes eram sustentadas por um exército de escravos. Esses escravos faziam absolutamente tudo na unidade produtiva que pertencia às famílias gregas. Chegamos a um ponto em que o sistema arranca da natureza a energia infinitamente superior ao que os escravos arrancavam à época.
Atualmente estamos produzindo uma massa de produtos e há um ambiente fortemente marcado pela suposta facilidade de acesso e a tendência é responsabilizar exclusivamente os indivíduos pelo consumo.
No entanto, o processo de produção esconde um elemento ainda mais trágico nesta relação, o modo como produzimos revela cabalmente a formação da sociedade das mercadorias produzir valor, invertendo na origem da condição histórica, social, antropológica e cultural, a necessidade que, a partir do processo capitalista, fica dependente do modo pelo qual a mercadoria passa a ser a forma substancial da relação humana, isto é, o sujeito social e histórico por excelência. A lei do valor inverte a necessidade, pois é o valor que determina a necessidade e a sua real satisfação.  
Neste problema, é preciso ressaltar que a sociedade da abundância não se vê preparada para refletir sobre suas necessidades, não há clareza de quais de fato são as necessidades historicamente construídas e as que são efetivamente impostas pela forma-valor.
Muitos me questionam o fato de ter atribuído ao problema em questão a denominação de Crítica da Necessidade. Tenho de dizer que o termo crítica diz respeito às possibilidades de colocar à prova não a nomenclatura, mas o universo problematizado que enseja a necessidade. Também porque penso na iminência dessa questão que envolve um problema de ordem ética e, por fim, a crítica à sociedade produtora de mercadorias.
Muitas observações destacam o estranhamento quanto ao problema escolhido, que não tem um potencial temático. Afinal, se perguntam o que a necessidade tem a ver com a questão do sistema? Ora, é cada vez mais sintomático o fato, empiricamente observável, de que os avanços científico-tecnológicos afetam decisivamente a vida e a sua rotina, nos oferecem melhorias em todos os aspectos, criando um manto que encobre a relação entre valor-de-uso e valor-de-troca, tão significativo para a nossa sociedade.
A Crítica da Necessidade é, sobretudo, um aprofundamento de uma realidade que nos envolve por completo. A justificativa deste problema é crucial, meu entendimento é que a necessidade não diz respeito a uma decisão do indivíduo no emaranhado de sua própria fragmentação social. Não é a ele que se destina, de modo moral, a questão. Não se trata de uma atenção especial aos modos de consumo, ao aconselhamento ecológico e pretensiosamente sustentável dos modos de produção. Nem tampouco quero voltar minha atenção para as formas egocêntricas e alienadas de consumo, se bem que essas questões são sintomas das formas assumidas no capitalismo. Não quero que esta questão se torne um problema moral apenas. Quero que minhas indagações coloquem no centro o problema da necessidade no capitalismo, uma vez que observo duas inversões decisivas nesse processo. A primeira inversão se dá com a instituição da forma-valor e a segunda inversão, quando a forma-mercadoria assume as relações fragmentando os indivíduos e criando uma consciência social de que são eles os responsáveis pelo processo – daí a responsabilização destes.
Para enfrentar esta questão, entendo que é fundamental apresentar dois pilares que sustentarão o prosseguimento das minhas pesquisas. Não é possível elaborar uma crítica da necessidade sem aprofundá-los. Portanto, inicialmente é imprescindível abordar a ética que a forma-mercadoria introduz no interior das relações sociais. Não é uma ética qualquer, não pode ser simplesmente comparada ou tratada com os elementos da ética aristotélica, cuja lógica encontrava em Aristóteles uma ferramenta que levava o cidadão grego a uma ontologia rígida, necessária, o fundamento da razoabilidade diante das questões éticas. Ou dos conteúdos tomistas, que nos exortam a uma contemplação existencial do ser; muito menos devemos considerá-la como uma atenta formação kantiana, com suas determinações críticas que apontam para uma atitude do indivíduo moderno, que busca a verdade dos fatos na ordem dos imperativos, mas lança-o a uma aporia diante da impossibilidade da coisa-em-si. A dialética hegeliana nos oferece uma ética da conciliação, em ultima instância, que se torna um perigo diante da voracidade dos elementos constitutivos do capitalismo.
É um modelo social extremamente violento e entre outros aspectos, a ética que ele porta é incomparável, atinge a vida como um todo, não pode ser compreendida em partes, não pode ser estudada nesta ou naquela relação ou conflito, não pode ser encontrada uma resposta que atenda a demandas tópicas. Não é uma ética cuja ontologia se encontra em períodos pré-capitalistas, como a guiar condições e possibilidades de responder a uma formação social historicamente outra, pois ela subsume toda a realidade, assim como a intencionalidade dos próprios indivíduos atirados ao seu próprio isolamento. Atinge objetivamente a consciência, transforma a sociedade em indivíduos-zumbis, que obedecem a uma lógica absurda, mesmo tendo condições de mover a consciência para a crítica radical, imediatamente mergulha-a no cotidiano da forma mercadoria. Sua ética é a de todas as formas culturais a mais complexa, absurda e envolvente em sua totalidade, é um modo que atingiu a totalidade social como uma meta-cultura que permite, sub-repticiamente, a sobrevivência das identidades, que assume a estrutura local ou regional, que permite que a religião permaneça com seu discurso, que as entidades sociais também assumam suas pretensas identidades.
É uma ética corrosiva que simula a suposta autonomia dos indivíduos, que os atira a um combate ferrenho, sem trégua, sem descanso, que elimina o que há de mais humano, que arranca de cada um sua própria condição histórica, mas não lhes devolve sequer uma ínfima porcentagem dessa desapropriação absurda.
A ética é um dos pilares, que se conjuga com o segundo elemento que fundamenta a minha convicção, a saber, de que o capitalismo atingiu a totalidade, agora ele é uma tautologia social, não mais uma abstração mental, é um sistema totalitário, absoluto, que assume caracteres diferentes em ambientes diversos, mas a sua lógica atravessou o planeta de norte a sul, de leste a oeste. E quanto mais avança para a completa absorção da natureza e da vida humana, mais se torna repressivo. Para além da realidade econômica e das relações consequentes, estamos diante de uma realidade teratológica, absoluta, radical. Nas décadas iniciais do século XX a questão era a de compreender em que circunstâncias se dariam as formas de luta e superação do capitalismo e para isto era importante a apreensão da totalidade para destacar dialeticamente em quem residiria o protagonismo da ação.
Mas na atual condição, a totalidade do capitalismo engloba o seu início e seu estertor. Nesta estrutura, o proletariado e os trabalhadores foram absorvidos pela totalidade, isto não quer dizer que o trabalho foi subsumido a ponto de perder-se na história, ao contrário, o trabalho permanece como elemento contraditório, como o dado que fundamenta o sistema e que dialeticamente o mantém em suas transformações.
Esta totalidade implica considerar o capitalismo tanto do ponto de vista lógico como histórico. Ambas as categorias da realidade humana convergiram, a lógica do sistema historicamente atingiu o seu ápice e colonizou a consciência social, mesmo que tenhamos de considerar a crise que afeta o sistema. Uma decadência é visível, seus sintomas estão por toda parte, apesar de haver uma tentativa de reproduzir sua lógica interna.
Sou daqueles que creem que haverá um colapso, mas não posso vaticinar quando ocorrerá a débâcle total. Não sei exatamente o que isto que significar para a nossa história, mas suas implicações serão imensas para a vida humana.
Existe entre nós um sentimento de que o capitalismo incomoda. Existe, até mesmo, de modo visível, uma vontade de combatê-lo. Há os que historicamente se sentem herdeiros legítimos de uma espécie de luta especializada contra o capitalismo, mas tantos outros também o fizeram. Entre nós, muitos consideram que o capitalismo é dos capitalistas, estes seriam os donos do poder. O capitalista é o dono do SISTEMA. Por outro lado, o poder e a sua prática assumem características impressionantes no capitalismo, todo ele se volta exclusivamente para o ordenamento e a liturgia das condições de sua realização. Não sou capitalista, de alguma forma também me sinto vítima desse processo desumano.
Amplos setores da sociedade que aceitam a divindade estabelecida pelo capitalismo e o processo da necessidade social com a produção de mercadorias está totalmente absorvido pelos indivíduos. Assim, devemos pensar em superar o capitalismo, extirpá-lo, transformá-lo ou mantê-lo? O que essas ações têm em comum e o que de fato importa?
Quando afirmo que ele se tornou totalidade e consciência, quero dizer que há um motor próprio no sistema, ele não necessita de formação objetiva para que possa ser mantido, ele é estabelecido por metabolismo, naturalizado pela sociedade. A formação exigida é a da técnica necessária para a sua reprodução.
Por outro lado, há inúmeras formas de opor-se ao capitalismo. Parece que as críticas têm fundamento e todas procedem: há os que criticam o modo de produção; há os que criticam o modo como se consome; há os que acusam o capitalismo de ser explorador e espoliador e os que apontam o capitalismo como o único responsável pela miséria material dos homens; também que querem controlar o Capitalismo e os que desejam a riqueza gerada pelo capitalismo em outro sistema
Então pergunto: que parte do capitalismo queremos mudar? O que existe no sistema capitalista que deve ser mantido quando houver uma mudança de sistema? Que parte do capitalismo mais me incomoda?
De fato, o problema está na sua totalidade e não apenas em uma parte, na fragmentação de sua forma. Existe algo que pode ser aproveitado em outros futuros sistemas? O que incomoda é de fácil identificação?
Por isso, cheguei a este ponto e não pretendo tergiversar acerca do que me compete, em sala de aula, na vida profissional, no cotidiano das relações. Terei muito pouco a contribuir se não oferecer a minha própria leitura do mundo atual, mesmo que para isso tenha de experimentar o ostracismo e a marginalização institucional.